HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA NO PIAUÍ: UMA HISTÓRIA EM DOIS PERÍODOS
PREÂMBULOS
Apresenta-se neste trabalho um
detalhamento de dois períodos históricos basilares da assistência psiquiátrica
no Piauí.
No primeiro momento histórico é relatado
o proto-assistencialismo alienístico no estado do Piauí, que se inicia assim
como nos demais estados da federação, com a movimentação social para a criação
de um “Hospital de Caridade” em 1828, passando pelos institutos das “Santas
Casas de Misericórdia” tanto em Oeiras, primeira capital da Província do Piauhy,
até a concretização dessas instituições em Teresina, capital da província a
partir de 1852.
No segundo momento histórico, é descrito
desde o marco evolutivo crucial da inauguração do “Asylo de Alienados” em 1907
até a fundação do “Sanatório Meduna”, em 1954, pelo Dr. Clidenor de Freitas
Santos, um dos pioneiros da história psiquiátrica piauiense. Hoje, o antigo sanatório
deu lugar a um moderno Shopping Center e desenvolve-se uma luta, pouco
gloriosa, para preservação do fantástico acervo científico organizado ao longo
de anos pelo Dr. Clidenor e por seu irmão o Dr. Wilson de Freitas Santos, outro
personagem símbolo de uma psiquiatria que se esvai no tempo.
A)
1828 – 1907
Afirma o historiador Dagoberto Carvalho
Jr. em seu livro “Historia Episcopal do Piauí: Em 1761 há a registrar uma
apresentação dos vereadores da Vila da Mocha pedindo a fundação de um Hospício
de Religiosos Capuchos com número de seis, homens doutos e de vida exemplar a
que esteja anexa a Terceira Ordem do Seráfico Padre Sam Francisco”. Entre as
assinaturas dos moradores encontra-se a de Frei Francisco José da Natividade
Roma, religioso capucho de São Francisco. O Pe. Cláudio Melo, historiador
piauiense, diz que esse “Hospício de Caridade” não chegou a ser concluído, e
que teria a finalidade de atender aos desvalidos da região. Esse local era em
Oeiras, lugar onde se pensa ter sido a casa dos jesuítas, afirma o Pe. Cláudio.
A essa mesma época, no Ceará, houve outro “Hospício”, esse tendo sido concluído
e servido como educandário, dando, pois a esse termo, designação bem diferente
da dos nossos dias.
Esse “Hospício
de Caridade”, que não chegou a ser concluído, com certeza já era prenúncio da
construção, no século seguinte, do primeiro hospital do Piauí, o “Hospital de
Caridade de Oeiras” que é onde começa a nossa história.
Manoel de
Sousa Martins, o Visconde de Parnaíba, que governou, com pequenas interrupções,
o Piauí de 24/ 01/1823 a 30/12/1843, possuía grande poder. E para um governo de
aptidões militaristas, fato esse comprovado tanto no levante armado contra
Fidié em 1823 e quando levou o Piauí à Guerra da Balaiada em 1839, seria
natural pensar-se que setores com a Educação e a Saúde ficassem esquecidos.
Como é comum em um governo tipicamente ditatorial, as ações mais profícuas no
setor da saúde partem de iniciativas próprias da sociedade.
E assim foi
que em um dos interregnos do governo do Visconde, a 18 de abril de 1829, um
requerimento do Palácio do Governo em Oeiras, assinado pelo então presidente da
província, João José Guimarães e Silva, criava um registro para que o “mordomo”
designado Manoel Luiz Ferreira recebesse as “esmolas” dadas no sentido da
futura criação de um “Hospital de Caridade” que viesse a atender aos “expostos”
e aos “presos da cadeia”.
Há vários
outros documentos seguintes comprovando a doação pela sociedade de quantias
visando a criação do “Hospital de Caridade”. Esses documentos prestadores de
conta são sempre assinados pelo “mordomo dos presos e expostos”. Não se sabe se
esse dinheiro foi usado em beneficio de tal população carente, mas o fato é que
somente em 04/07/1835 foi criado pela Lei Provincial nº 9, no governo do Visconde
de Parnaíba, o “ Hospital de Caridade de Oeiras” ao lado da igreja do Rosário.
Sua inauguração, no entanto se daria apenas em 31/03/1849, no governo de
Anselmo Francisco Peretti. Fato a ressaltar é que o inicio das obras se deu no
governo de Zacarias de Góis e Vasconcelos, no inicio de 1847.
Bem, passava a
existir um hospital em Oeiras, mas a mudança da capital da Província para
Teresina, pouco tempo depois, ocasionaria um profundo retrocesso na assistência
á saúde pública, o que permite afirmar-se que a assistência médica aos oeirenses
no século passado foi eminentemente domiciliar e de rua.
Os doentes de
família abastadas eram então tratados em casa e os indigentes eram deixados na
rua ou, quando perturbavam o sossego, eram então mandados para a cadeia
pública, onde eram tratados sem nenhum padrão de atendimento.
Os doentes de ordem orgânica já tinham
muitas dificuldades para serem tratados, imagina-se então que os doentes
mentais viviam à própria sorte.
Ainda com
relação ao exposto acima, observamos que em Oeiras as famílias sempre optaram
por um modo tradicional de se relacionar. Tradição essa expressada tanto no
conservadorismo das relações afetivas, que observamos no caso dos casamentos
consangüíneos, como também no culto às questões culturais fortemente enraizados
no povo.
“Oeiras,
primeira capital da província do Piauhy, foi colonizada a partir do interior, o
que a torna diferente das outras capitais da província da Casa da Torre da
Bahia, isolada de outros centros, com uma forte influência católica,
inicialmente jesuítica, as famílias, verdadeiros feudos encapsulados, com
grande interesse político para se manterem sempre no poder, permitiam somente
casamentos consangüíneos, elevando, portanto a possibilidade de surgirem, com
mais facilidade, enfermos mentais.” (Gutemberg Soares)
Reforçando o
que disse o Prof. Gutemberg Soares, o Professor de Psiquiatria da UFPI,
Anfrísio Castelo Branco, artigo na revista da Universidade Federal do Piauí
(janeiro/80), “Assistência Psiquiátrica no Piauí”, diz: O território piauiense
fez parte da jurisdição do Maranhão até o ano 1718, quando um alvará de El-Rei
D. João V de Portugal, criou a capitania do Piauí, o que só se efetivou 40 anos
depois, com a nomeação do seu primeiro governador, João Pereira Caldas. Sua
colonização, diferindo dos demais estados nordestinos, não se fez através da
costa, mas sim, pelo sul, interiorana, sobretudo por uma extensão natural das
fazendas de gado bovinos precedentes da Bahia. “Sua primeira capital teve como
origem a sede da fazenda Cabroró que, em 1718 passou a categoria de Vila,
denominada Vila da Mocha e que em 1758 se elevou à categoria de cidade, com o
nome de Oeiras”.
O caráter
introspectivo do povo de Oeiras poderia, pois, ser explicado também pela
estrutura rural de sua primeira sociedade. Uma sociedade pouco estratificada,
com estruturas de poder bem delimitadas e, como se observa na transcrição
acima, com mudanças muito lentas, o que certamente propiciava aos habitantes da
época uma expectativa pouco animadora e tediosa em relação ao seu futuro.
O professor e
intelectual oeirense, Possidônio Queiroz, acrescenta o fato de que a mudança da
capital da Província do Piauí, de Oeiras para Teresina, em 1852, causou uma
grande depressão social e ainda hoje se observa a presença de uma mágoa que se
estende por todo o Sul do Piauí contra essa mudança de rumos para o norte.
“Oeiras foi a cidade mais atingida. Isso aqui ficou uma verdadeira tristeza. Me
contam que muitas pessoas acompanharam à pé algumas léguas, e chorando, os
animais que carregavam para Teresina as riquezas daqui. Oeiras ficou arrasada,
pobre. Essa tristeza pode até ter aumentado o número de doenças mentais por
aqui”.
Acerca da
assistência mental em Oeiras no século XIX, o médico e escritor José Expedito
do Rêgo diz: “não posso afirmar com certeza histórica, mas tudo indica que,
mesmo quando ainda funcionava o primeiro hospital de Oeiras, os loucos,
“furiosos” eram recolhidos à prisão policial. Lembro-me de ter visto, na minha
infância, loucos serem detidos na cadeia pública. Se tal acontecia no segundo
quartel desse século, quanto mais no século passado”.
Com a
transferência da capital da província para Teresina, abre-se um ciclo com novas
perspectivas, capitaneado pelo governador da época, José Antonio Saraiva. Ao
lado de Saraiva, militaram homens como Simplício de Sousa Mendes, médico; José
Nunes de Campos, engenheiro; e João Isidoro França, mestre de obras. Cercava-se
Saraiva, então, de homens com mentalidade avançada para a época e que
acreditavam ser a mudança da capital benéfica em todos os sentidos para o povo
do Piauí. Monsenhor Joaquim Chaves, historiador piauiense, reproduz, por
exemplo, em seu livro: “Apontamentos biográficos e outros”, ofício do então
governador Simplício Mendes, após a saída de Saraiva, ao engenheiro da
província: “Sendo uma das maiores necessidades que presentemente sofre esta
capital a de boa água potável para os diferentes misteres da vida, visto como a
do Parnaíba na estação invernosa, qual a em que ora nos achamos, contém em
dissolução muito barro e outras substâncias nocivas à saúde... Ordeno a V.Mcê.
que examine minuciosamente o melhor local e mais bonito e cômodo ao público
desta cidade que se oferece no chamado “barrocão” e que corre pelo lado
superior da cidade para assentar-se aí um bom açude, que satisfaça
perfeitamente tão indeclinável necessidade” (Teresina, 15 de março de1853).
Iniciava-se,
então, a preocupação com “Saúde Pública” no Piauí. Complementa Monsenhor
Chaves: “Vê-se bem que a preocupação com água potável é a de um administrador
que é médico. O açude do “barrocão” não se fez, mas a ideia, para aquele tempo,
bem que é genial.”
Os
ideais
progressistas e o sentimento mudancista já eram visíveis no governo de
Zacarias
de Góis, advogado que governou o Piauí de 1845 a 1847. Zacarias de Góis
deixou relatórios incentivando a mudança, e esse sentimento se fazia
sentir também na área da saúde pública. Foi ele, por exemplo, que
iniciou as
obras de construção do Hospital de Caridade em Oeiras, que veio a ser
concluído
em 1849. A mudança da capital se deu, pois, em 16 de agosto de 1852.
“Teresina não
possuía hospital. Sua instalação ia depender da Assembléia Provincial que ainda
não se reunia na nova capital. Havia uma enfermaria no batalhão de linha e
outra ia ser instalada na casa que servia de quartel de policia”. (Mons.
Joaquim Chaves – Apontamentos biográficos e outros).
A “Saúde
Pública” em Teresina ascendia e a de Oeiras agonizava. O Hospital de Caridade
de Oeiras, que passou também a chamar-se de Santa Casa de Misericórdia, não
durou muito tempo. O historiador e médico oeirense, Dagoberto Carvalho, escreve
em “Passeio a Oeiras”: “Do outro lado da igreja, construiu-se entre 1846 e
1849, o Hospital de Caridade de Oeiras, primeiro hospital público do Piauí... O
hospital não durou muito. Em 1883, a Santa Casa de Misericórdia, como também
foi conhecida, era considerado o melhor edifício público da cidade, não só pela
construção, como também pelas acomodações. Já em 1900, o verbo telúrico de Dr.
Luís de Carvalho – oeirense ilustre de muita fama na ilha do Maranhão –
denunciou “as picaretas selvagens” que tudo destruíam. Quem sabe Dr. Luís, a
capela quisesse ficar sozinha”.
O atendimento
público em Teresina era eminentemente domiciliar, até que em 01 de janeiro de
1854, o então presidente da província, Dr. Antonio Francisco Pereira de
Carvalho, inaugurou o Hospital da Caridade de Teresina, na parte pronta do
quartel de polícia, em construção, visto não existir, á época, casa própria
para a instalação do hospital como dispõe a resolução provincial nº 36 de 14 de
setembro de 1853. (Cronologia Histórica do Estado do Piauí – Pereira da Costa).
“O Hospital da
Santa Casa de Misericórdia de Teresina, instalou-se em 17 de agosto de 1861,
sucedendo, cronologicamente, o Hospital de Caridade, que, de Oeiras se
transferiu, com a capital, em 1852... A Santa Casa e seu Hospital continuaram a
padecer da falta de recursos que o levaram a substituir o velho Hospital de
Caridade. Continuando a caracterizar-lhe a mesma dependência do poder público que
já se deixara antever no relatório com que o presidente Dr. Manoel Antonio
Duarte de Azevedo passou o governo da província ao Desembargador Amaral”. (A
Obstetrícia no Piauí – Dagoberto Carvalho Jr. e Humberto Guimarães).
Do
“Compromisso da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Teresina”, os
autores transcrevem os títulos V e VI.
No titulo V,
têm-se no capitulo I: “Da classificação do serviço médico – Art. 40 – O serviço
médico será classificado segundo a natureza das enfermidades. 1º - Em clinica médica
geral, abrangendo os inválidos e loucos de todo gênero. 2º - Em clinica
cirúrgica, inclusive as parturientes.
No titulo VI.
Art. 66 - Serão admitidos no hospital: 1º - Os irmãos da Santa Casa que não
tiveram condição de pagar o seu tratamento... 2º - Todas as pessoas que
quiserem ser tratadas no hospital como pensionistas de primeira e segunda
classe, apresentando ao mordomo documentos de pessoa idônea que as financiem...
3º - As pessoas enfermas que apresentarem atestados de indigência passados pelo
pároco ou autoridade policial da respectiva freguesia, serão tratadas
gratuitamente.”
Ora, nem
sempre os loucos de rua tinham quem os encaminhassem ao “parocho ou autoridade
policial da freguesia”. Alie-se a isto, o fato do pouco engajamento histórico
da igreja piauiense na questão dos doentes mentais e a pouca compreensão da
policia, que pelos poucos registros, os encaminhavam para a “Casa de Detenção”,
em lugar de remetê-los à Santa Casa de Misericórdia.
Diz o Pe.
Cláudio Melo: “Não tenho noticia da participação da igreja na construção do
Hospital de Caridade... A igreja envolveu-se mais com a educação e a
política... Logo que foi feita a Santa Casa, foi feita uma capela-guia e
existia um padre dando assistência religiosa, mas seu trabalho era mesmo de
administrar sacramentos como capelão”. O trabalho desse capelão restringia-se à
periferia da Santa Casa, atendendo somente aos doentes que já estivessem
melhores de saúde e que pudessem se dirigir a essa capela.
No
registro nº
1297 do arquivo estadual, há o mapa de entrada e saída de pacientes na
Santa
Casa de Misericórdia, no período de 18 de junho de 1879 a 29 de agosto
de 1879. Não há nenhum diagnóstico Psiquiátrico na Santa Casa de
Misericórdia. Em
relação aos casos de sífilis, há que se destacar que, logo nos
primeiros livros
de ocorrência do “Asylo de Alienados”, que viria a ser instalado em
1907, há o
diagnóstico de neurosífilis, só aí, então, caracterizando-se o
diagnóstico
psiquiátrico e não o clínico, como outrora.
É
bem verdade
que a maior preocupação, à essa época, do governo da província eram as
moléstias infecto-contagiosas, principalmente no interior, como mostram
ofícios
do Palácio do Governo aos médicos do Partido Público e Comissários de
Vacinação
(1854, 1872, 1876, 1877), todos versando sobre providências a serem
tomadas com
os diversos surtos epidêmicos que grassavam no Piauí. Sobre isso
escreve Odilon
Nunes, em “Pesquisas para a História do Piauí – Vol.2”: Desde fins de
1861 a fins de 1863, a febre amarela e o cólera-morbo dizimavam a
população piauiense, declinando por
vezes, para recrudescer em seguida... As autoridades tomam
providências, fazem
a remessa de medicamentos e numerários para as vilas e cidades
atingidas ou
ameaçadas pelo surto epidêmico, autorizam que se contratem pessoas que
possam
prestar serviços assistenciais, que se obtenham casas para acolher os
doentes e
se escolham locais apropriados para cemitérios... A varíola que vez por
outra
se manifestava pelo verão em casos isolados, no verão de 1867 toma
caráter
epidêmico em Teresina, Parnaíba, Amarante e ao longo do rio atingindo
outras
regiões da província. A “febre-amarela e o cólera-morbo que
continuariam a
fazer vítimas no Ceará ainda assustam o Piauí”.
É lógico,
pois, se pensar que, tratando-se os doentes mentais como cidadãos de segunda
classe como à época se percebiam, as atenções de saúde seriam dadas
prioritariamente aos ditos cidadãos produtivos em potencial para a sociedade da
época.
Em 4 de
Dezembro de 1863, iniciaram-se as obras de construção da “ Casa de Detenção” de
Teresina, que viria a ser concluída em 1866. O referido prédio ganha destaque
por ter sido depositório de vários doentes mentais que se encontravam às ruas e
que para lá eram levados quando se tornavam agitados e agressivos.
A assistência
médica aos pobres e doentes mentais era mesmo caso de policia. Ficava essa
assistência à mercê dos atos humanitários. Pereira da Costa descreve a atuação,
como médico, do Dr. José Sérvio Ferreira, em 19 de maio de 1868, por ocasião de
seu falecimento: “Médico distinto e dotado dos mais generosos sentimentos de
filantropia, o Dr. José Sérvio Ferreira exerceu a sua profissão com a mais
admirável dedicação e humanidade, tratando da pobreza desvalida em suas
próprias casas, aonde muitas vezes levava ao enfermo desprotegido da fortuna,
além dos remédios que lhe receitava o alimento de que carecia”.
De agosto de
1868 ao fim de 1872, há vários ofícios do palácio do Governo ao Provedor da
Santa Casa de Misericórdia, no sentido de só se permitir o trabalho ao referido
estabelecimento de médicos diplomados (Arquivo Público Estadual). Mesmo com
essa preocupação, carecia a Saúde Pública de disciplina e, sobretudo de justiça
no atendimento aos doentes. Quanto à justiça, ou injustiça, no atendimento aos
doentes de classes sociais distintas, o não atendimentos aos pobres e doentes
mentais certamente era influenciado pela inexistência de um próprio poder
judiciário à época atrelado à justiça do Maranhão.
O Tribunal de
Justiça do Piauí viria a ser instalado somente em 1891, e dentre os
desembargadores, estava Álvaro de Assis Osório Mendes, em cujo futuro governo
viria a ser instalado o “Asylo de Alienados”.
Em 21 de Maio
de 1889, recebe o Inspetor de Higiene da Província, um ofício do Palácio do
Governo, no sentido de promover um “Inquérito Geral de Higiene”, sob orientação
do poder imperial, constando de questionário sobre o número e condições dos
hospícios, casas de saúde e prisões, onde houvesse alienados em tratamento ou
reclusos. Em agosto do mesmo ano, o Palácio do Governo da Província do Piauí
recebeu queixas formais da população cobrando tratamento de saúde aos
indigentes. A República trazia também o sentimento de justiça e de
reivindicação social à população.
B)
1907 a 1954
Em 1887, o então formando em medicina,
Areolino Antonio de Abreu, apresenta sua these à Faculdade de Medicina
da Bahia, a fim de obter o grau de Doutor, denominada: “Glycosúria (diabetes
assucarado)”. Em alguns trechos da tese, observamos: “A glycosúria ou diabetes
assucarada é uma moléstia essencialmente crônica, apirética, cuja causa
primordial, originária e fundamental parece residir nos centros nervosos...
Indivíduos que possuem uma vida sedentária e preguiçosa acham-se predispostos á
doença... Os indivíduos ‘no coma diabético’ tornam - se extremamente
agitados”...
Areolino de Abreu conclui assim a sua these:
“a duração, terminação e prognóstico do diabetes variam conforme as
circunstâncias. O individuo que dispõe de recursos para viver em um meio
higiênico satisfatório, e cumprir à risca as prescrições médicas, pode
modificar a marcha devastadora da moléstia... Quando ao contrário, a glycosúria
ataca o pobre desvalido que procura o hospital como refúgio supremo, então o
desfecho é quase sempre funesto”.
A despeito das incompletas conclusões
clínicas do autor da these, percebe-se no seu interior uma clara
preocupação quanto ás questões sociais na saúde e, sobretudo uma inclinação às
questões neuropsiquiátricas. Areolino de Abreu viria a ser o grande
incentivador da criação do “Asylo de Alienados”, no cargo de vice-governador, e
de sua inauguração no ano de 1907.
O historiador piauiense Monsenhor Joaquim
Raimundo Ferreira Chaves acredita que a pressão social foi fator decisivo para
a criação do Asylo: “Como no caso da libertação dos escravos. E a imprensa de
Teresina sempre foi muito livre, aumentando a pressão”.
Álvaro de Assis Osório Mendes assumiu o
governo do Estado do Piauí em 01/07/1904, ficando no cargo até a data de seu
falecimento em 05/12/1907. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, Juiz de
Direito no interior do Piauí, por três vezes chefe de policia deste estado, foi
também um dos cinco primeiros desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado
do Piauí, aonde chegou a ser presidente. Ao lado de Álvaro Mendes, assumiu como
vice-governador o médico Areolino de Abreu. A parceria entre a medicina e o
direito rendeu bons frutos para a Saúde Mental. Vale ressaltar que Álvaro
Mendes era filho de Simplício Mendes, médico idealista da época de Saraiva, o
que, com certeza, facilitou a compreensão da necessidade da Medicina Preventiva
e da Medicina Curativa voltada também ás minorias sociais. O Asylo de Alienados
seria, dessa forma, o coroamento dessa administração.
Sobre isso, relata o Dr. Clidenor de
Freitas Santos, em escrito de julho/1941: “Entre nós, no Piauí, a primeira idéia
de amparar os psicopatas partiu do Dr. Areolino de Abreu, ilustre médico
conterrâneo, dotado de um senso humano singular. Em março de 1906, o Dr.
Areolino, então vice-governador do Estado, apoiado pelos seus colegas de profissão,
abriu uma subscrição com o fim de angariar donativos para iniciar a construção
de um Asylo de alienados. Em poucos meses a subscrição contava cinco contos de
réis e o então governador do estado Dr. Álvaro Mendes, apoiando a campanha
conseguiu que os cofres estaduais completassem a quantia de oito contos para a
aquisição do terreno de uma chácara na Praça Campo de Marte, o que foi feito,
tendo em seguida a Câmara dos Deputados no dia 2 de julho de 1906, votado a lei
nº 409 concedendo a importância de 20.000$000(vinte contos de réis) para a
execução das obras. Simultaneamente o Congresso Nacional votava um auxilio de
15.000$000(quinze contos de réis). O projeto do prédio e construção foi feito
pelo engenheiro Dr. Antonio Freire, diretor da Repartição de Obras Públicas.
Convém assinalar que esse projeto era completo, nele quase nada faltava. Se tem
sido construído tal como foi planejado teríamos ainda hoje um ótimo hospital.
Apesar de tudo, o que estava preparado foi inaugurado no dia 24 e de Janeiro de
1907, festivamente e com discursos proferidos pelo Dr. Areolino de Abreu e o
representante do chefe do Estado. Seu primeiro diretor foi Dr. Marcos Pereira
de Araújo. Apesar de mais tarde o governador do Estado haver gasto mais de
25.000$000 no acabamento do prédio, quantia esta retirada do auxilio que o
Governo Federal mandou para socorrer os flagelados, o seu estado era ainda
precário.”
Sobre esse fato, o jornal da época,
“Piauhy”, noticiava: “Asylo de Alienados – Por telegrama sabemos que a nossa
representação no Rio obteve uma verba de 15 contos de réis para auxilio no Asylo
de alienados que tem de ser fundado nesta cidade. É um concurso generoso que
vem incorporar-se ao subscrito por distintos cavalheiros e Exma. e Srª desta
cidade e de diversas localidades. (“Piauhy” num. 884 – The, 05 de janeiro de
1907).
Em 19 de janeiro do mesmo ano, o jornal
publicava: “Governo do Estado – Decreto nº 326. Publicado em 3 de janeiro de
1907.
Abre crédito especial de 20. 000$ para
fundação do Asylo de Alienados na Capital.
O Governador do Estado do Piauí, em
execução a lei nº 409 de 2 de julho do ano passado. Decreta: Art.único – Fica
aberto na Secretaria da Fazenda, o crédito especial de vinte contos de réis
para serem aplicados á fundação de um Asylo de alienados nesta capital.
O Secretário de Estado em Teresina, 3 de
janeiro de 1907, 19º da república.
(L.do S.)
Álvaro de Assis Osório Mendes
João Augusto Rosa
Decreto
nº 327 – publicado em 15 de janeiro de 1907
Funda
nesta capital um estabelecimento sob a denominação de Asylo de Alienados.
O
Governador do Estado do Piauí, em execução da lei nº 409 de 2 de julho do ano
passado e em virtude de atribuição que lhe é concedida pelo art. 34, parágrafo
3º da Constituição do Estado.
Decreta:
Art. 1º
- Fica fundado nesta capital, um Asylo de Alienados para os fins determinados
no regulamento que com este baixa.
Art.2º
- Revogam-se as disposições em contrário.
O
Secretário de Estado do Governo assim o tenha entendido e faça executar.
Palácio
do Governo de Teresina, 15 de Janeiro de 1907, 19º da república.
(L.doS.)
Álvaro de Assis Osório Mendes
Augusto Mendes Nogueira
Regulamento
a que se refere o decreto nº 327 de 15 de janeiro de 1907.
Art. 1º - Fica
fundado nesta capital um estabelecimento sob denominação de Asylo de Alienados,
para o fim de nele serem recolhidos e tratados os enfermos de perturbações
mentais.
Art. 2º
- O estabelecimento funcionará no prédio situado à praça de Campo de Marte,
entre as ruas Riachuelo e Divisão, adquirido com o produto de uma subscrição
popular e contribuição do tesouro do estado.
Art. 3º -
Serão admitidos nele indivíduos de ambos os sexos, gratuitamente, ou mediante
retribuição conforme suas condições de fortunas e meios de tratamento.
Art.
4º - O estabelecimento receberá até oitenta indivíduos de ambos os sexos, sendo
50 a titulo gratuito e 30 contribuintes.
Art.
5º - A direção do Asylo é confiada a um médico competente, nomeado pelo
governador, tendo sob suas ordens um enfermeiro, um escriturário, dois
serventes e um cozinheiro.
Art.6º
- Todos os empregados são de livre escolha e nomeação do médico, exceção do
escriturário que será nomeado pelo Governador.
Art.
7º - Compete ao médico diretor:
I
– Superintender em todos os serviços do Asylo.
II
- Tomar conhecimento de todos os requerimentos ou requisições para
admissão de alienados.
III
– Requisitar do Governador do Estado, por intermédio da secretaria respectiva,
os melhoramentos, aparelhos ou utensílios necessários.
IV
– Autorizar o pagamento das despesas miúdas e assinar a folha dos empregados
que deve ser remetida ao tesouro estadual;
V
– Fiscalizar as contas de fornecimento e de escrituração do movimento do Asylo;
VI
– Solicitar do governo a expedição de ordem para a entrega ao enfermeiro do que
foi necessário para despesas miúdas durante o ano.
Art. 8º
- Cumpre ao enfermeiro:
I
– Executar e fazer cumprir as determinações do diretor e velar pelo asseio, boa
ordem, e vigilância dos enfermos;
II
– Empregar em pequenos serviços e ocupações os alienados que revelarem
tendências para o trabalho;
III
– Providenciar sobre a roupa, alimentações e uso dos remédios dos alienados.
IV
– Dirigir os serventes e cozinheiros.
Art. 9º
- Ao escriturário o incube todo serviço de correspondência e escrita do Asylo.
Art.10º
- Os enfermos ocuparão, separados por sexo, duas divisões independentes e
subdivididas como entender o diretor, havendo em cada divisão, quarto,
dormitório e enfermaria.
Art. 11º -
As refeições serão servidas de conformidade com a tabela organizada pelo
diretor.
Art.12 º
- Como meio de tratamento e para a manutenção da ordem, poderá o diretor
recorrer:
1.
Passeios e quaisquer
outras distrações;
2.
Reclusão solitária;
3.
Ao colete de força e
à céllula.
Art.13º - São competentes para requerer a
admissão de enfermos, quer contribuintes, quer gratuitos:
I - O ascendente ou descendente;
II - O Cônjuge
III - O tutor ou curador;
IV - O secretário de policia, quanto
aos alienados indigentes.
Art.14º - As requisições serão acompanhadas de
documentos justificados e informações acerca do nome, idade, filiação,
nacionalidade, estado e residência dos enfermos.
Art.15º- Aos requerimentos devem também acompanhar pareceres de 2
médicos, que tenham examinado o enfermo 15 dias no máximo, antes de sua
admissão, ou certidões de exame de sanidade.
Todos os documentos serão selados, com
firma reconhecida
Art.16º
- Os enfermos indigentes só poderão sair depois de
restabelecidos, salvo com licença do diretor: os pensionistas, porém,
serão
retirados em qualquer tempo pelas pessoas que tiverem requerido a
admissão, e
na falta destas pelos parentes ou curadores, exceto quando se tratar de
enfermos acometidos de forma de loucura, que torne perigosa a sua
permanência em liberdade. Neste caso, precederá a saída, ordem do
Governador, ouvido o secretário de
policia.
Art.17º - Os enfermos pensionistas serão divididos
em duas classes, cujas diárias serão de 5$ na 1ª e de 2$ na 2ª.
Art. 18º - Fica criada na Secretaria da Fazenda uma
caixa, com escrituração especial para os fundos do Asylo.
Art.19º - Haverá no Asylo o numero de livros
precisos, abertos, rubricados e encerrados pelo diretor.
Art.20º - Os vencimentos do pessoal do Asylo são
os constantes da tabela anexa, considerando-se dois terços como ordenados.
§ único - Os empregados que ali não figuram considerar-se-ão de
diária e serão pagos pelas consignações destinadas ao material.
Tabela de Vencimentos - 1 médico diretor – 3.600$, 1 enfermeiro
– 960$, 1 escriturário – 720$.
Art.21º - revogam-se as disposições em contrário.
Teresina,
15 de janeiro de 1907 – 19º da República
(L.do
S) Augusto Mendes Nogueira (Secretário de Governo)”.
Em seu relatório (1941). Dr. Clidenor,
reproduz imagens de Eurípides Clementino de Aguiar de 1917 (médico que governou
o Piauí de 01/07/1916 a 1/7/1920). Diz a mensagem: “Ao assumir o governo do
estado, conhecedor da situação lamentável em que se achava o Asylo, um dos meus
primeiros cuidados foi lançar as minhas vistas para os infelizes asilados.
Dentro dos estreitos limites dos recursos que a lei me faculta, fiz o que foi
possível e tenho a satisfação de vos comunicar, que os loucos do Asylo de
Teresina não andam mais nus, não sofrem fome, nem morrem por falta de cuidados
médicos: estão regularmente vestidos e são convenientemente alimentados e
medicados. Mas, isto não é o bastante. É preciso que a obra iniciada seja
concluída, que o projeto do Asylo seja executado.
Para que assim aconteça, não é necessário
que o estado despenda um vintém de suas rendas, basta que se dê ao Asylo o que
é do Asylo. Quero me referir às quotas com que a Companhia de Loterias
Nacionais subvenciona o Asylo desde o ano de 1911.
Estas
quotas produziram:
Em
1911 - 21.536$000
Em
1912 - 36.659$000
Em
1913 - 41.014$000
Em
1914 - 31.970$480
Em
1915 - 23.742$478
Em
1916 - 31.144$272
TOTAL - 186.066$750
Recebendo estes dinheiros, o Estado os
tem incorporado às rendas ordinárias, dando ao Asylo apenas a minguada
importância de 6.000$000 por ano e um médico. Se os dinheiros do Asylo tivessem
tido a aplicação devida já estaria concluída e o estabelecimento instalado e
convenientemente aparelhado de recursos para preencher por forma satisfatória,
os fins a que é destinado. Peço-vos, pois, que providencieis no sentido de
serem as quotas de loterias pertencentes ao Asylo, integralmente empregadas em
beneficio das obras, do custeio e da constituição do patrimônio desse
manicômio. Para isso, sou de parecer que elas sejam entregues à administração
da Santa Casa, que lhes dará o devido fim, prestando contas ao governo. Por maiores
que sejam os apertos financeiros do Estado, não temos o direito de lançar mão
da esmola que a caridade nacional manda para os loucos indigentes do Piauí.”
O
Dr. Clidenor acrescenta em seu
relatório: “Ao que nos consta, pelo menos com relação aos documentos
por mês
computados, essa renda nunca passou a constituir–se patrimônio do
Asylo...
Somente em 1920, sendo provedor o Dr. João Mota, com as economias das
quotas de
loterias, economias essas que importaram em 24.000$000 (vinte e quatro
contos
de réis) é que foi providenciado construção de um novo pavilhão,
perpendicular
ao primeiro com as dimensões de 30 x 7metros, dividido em 16 quartos
prisões e 4 quartos centrais para empregados. Como a referida verba
fosse insuficiente, o
governador do estado naquele tempo, o Dr. João Luiz Ferreira terminou a
construção. Desse modo os doentes passaram a ter mais comodidade,
ficavam
livres dentro de um quarto de 2,50 x 3,0 m. Ficou assim aumentado a
capacidade do Asylo. Somente nos princípios do governo do interventor
Landry Sales e
que foi projetado e construído novo pavilhão paralelo a esse último
baseado no
mesmo principio e com doze quartos.” (Governo Landry Sales 21/5/1931 a
03
/05/1935).
Continua o Dr. Clidenor: “Com o tempo as
condições higiênicas desses cômodos foram se agravando, sobretudo em virtude do
pequeno esgoto, no qual o doente deveria fazer as suas necessidades
fisiológicas, sair do centro do próprio quarto e ser completamente aberto. O
que não foi esquecido foi a colocação, em todos os quartos, e até no pátio no tronco
dos cajueiros, de pesadíssimas correntes destinadas à perna dos doentes.
É esta, em síntese, a história do pobre Asylo,
que em homenagem ao seu idealizador recebeu o nome de ‘Areolino de Abreu’.”
Data de 1910, o primeiro “Livro de Registros
Clínicos do Asylo de Alienados”. Até então os registros eram feitos em livros
da Santa Casa de Misericórdia. Os livros do Asylo só passaram a ser feitos após
a entrada das “Irmãs de Caridade” no Asylo. A Santa Casa aparece em todos os
livros, que vão de 1910 a 1923, como “órgão controlador”.
Como registros, encontramos como
diagnósticos, no livro de 1910, as seguintes enfermidades: Confusão mental
aguda, mania aguda, paralisia dos alienados, mania religiosa, demência senil,
melancolia crônica, epilepsia nervosa, loucura intermitente, delírio de perseguição,
excitação desordenada e delírio alucinatório.
O Asylo de Alienados era dividido
essencialmente em suas dependências, por classes sociais. Na parte anterior,
ficava a parte organizada do Asylo, que tinha basicamente divisões por alas masculinas
e femininas e até 1940 as dependências eram denominadas de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
classes. Na parte posterior do Asylo, ficavam os pacientes mais agressivos com
pesadas correntes presas ao chão de terra batida, que eram utilizadas para
aprisionamento em caso de exacerbação de agressividade. O acompanhamento médico
a estes pacientes mais agressivos era muito precário, o que ocasionava um
acompanhamento feito, na sua maioria, pelos serventes do então Asylo.
Era comum pela pouca observância, que
pacientes masculinos adentrassem o lado feminino separadas que eram as duas
áreas por um muro precário, e desse contato surgissem diversos casos de
gravidez.
Os pacientes mais agressivos eram
acorrentados e conviviam com outros um pouco menos agressivos que eram mantidos
também nessa área. Os pacientes acorrentados ficavam privados, então, de
autodefesa e dessa forma estavam expostos a todo tipo de agressão dos pacientes
que circulavam nesse pátio. Há relato somente de correntes no lado masculino
desse pátio, que ficava na parte posterior do Asylo.
Na parte anterior existia uma estrutura
relativamente organizada. Os visitantes ficavam restritos somente a esta área e
era proibido o acesso aos fundos do Asylo. O pátio do Asylo era descoberto e os
pacientes dormiam ao relento protegidos somente pela cobertura das árvores.
A terapêutica farmacológica empregada
ainda consistia basicamente dos xaropes de cloral, de barbitúricos (luminal),
das ampolas de bismuto usadas para a neurolues e as injeções de óleo de cânfora
utilizadas para os mais agressivos. Eram injeções que produziam um intenso
edema de nádegas e que, pela dor que era muito forte, inibia os ataques de
agressividade.
Monsenhor Joaquim Chaves revela: “Como
memorialista posso falar que eu conheci o antigo Asylo, era uma coisa terrível.
Doentes eram tratados na base da corrente. Fui poucas vezes ao Asylo, tinha uns
loucos amarrados no fundo, tinha quartos de segurança. Davam injeções, não sei
de qual tipo. A impressão era muito ruim, eu tenho impressão de que hoje deve
ser melhor. Eram pessoas abandonadas pela sociedade e já se dava graças à Deus
de ter o Asylo para que não ficassem na rua. Houve queixas de que o interior
mandava doidos para cá e as verbas não davam para tanto paciente. Alguns ficavam
acorrentados no pátio, outros dentro das celas. Os doidos não eram mostrados
pra gente, só quando se queria mesmo vê-los é que se permitia a aproximação”.
O
professor Possidônio Queiroz diz: “Em
1924, vi se amarrarem loucos em Teresina. Quando retiraram as correntes
elas pesaram 300 kg. Em Oeiras, continuavam os quartos de loucos só
para famílias
importantes, os pobres continuavam sendo levados para a penitenciária”.
As irmãs de caridade continuaram
co-administrando o Asylo de Alienados durante muito tempo. O livro de registros
clínicos do Asylo de 1933 documenta o recolhimento ao tesouro da Santa Casa de
Misericórdia das despesas (diárias + medicamentos) hospitalares dos pacientes
pensionistas e particulares do Asylo.
Em 1929 graduou-se na Faculdade Nacional
de Medicina no Rio de Janeiro o médico piauiense João Coelho Marques,
defendendo a tese: “Espiritismo e Idéias Delirantes”. Sobre o Dr. João Marques,
o Dr. Antonio Marques, seu irmão, depõe: “O João Marques chegou ao Piauí em
1930. Foi então trabalhar em Balsas no Maranhão, foi para o interior para fazer
tudo. Durante o curso de medicina ele já tinha estagiado três anos com o Dr.
Henrique Roxo, isso fez com que ele se decidisse pela psiquiatria. Voltou para
Teresina em 1936 e implantou novos métodos na psiquiatria, como o choque
cardiazólico. Prossegue o Dr. Antonio Marques: “Ele instituiu também a
narcoanálise e a psicanálise, assim como a hipnose. Narcoanálise ele fazia com
tirambutal, tendo relatado alguns casos. O Cardiazol era usado na veia, assim
como o tirambutal. Ele ocupou a direção do Asylo, antes do Clidenor. Chegou
também a assumir a chefia do Asylo, no governo de Teodoro Sampaio, ele era
médico do estado e nunca quis entrar para qualquer instituto federal, ele só
era credenciado. Ele sempre atendeu no “psiquiátrico” (HPAA), junto com o Dr.
Carlos Maia e o Dr. Mariano Castelo Branco.
Conclui o seu depoimento, o Dr. Antonio
Marques; “O João foi pioneiro da psicanálise no Piauí. Hipnotizava e quando não
conseguia, dava um pouquinho de tirambutal na veia para facilitar a análise.
Ele tinha toda a obra de Freud em francês e, de dois em dois anos, ele ia ao
Rio para contato com Dr. Henrique Roxo, tendo contato também com Dr. Jurandy
Picanço em Fortaleza, psiquiatra e seu colega de turma. Ele tratou de doido em
todo o Piauí, ia onde era chamado por esse interior”.
Clidenor
de Freitas Santos é um marco na
história da psiquiatria piauiense. Nascido em Miguel Alves – PI, em
1913, vem para Teresina em 1924 e em 1929 conclui o “preparatório” no
Liceu Piauiense. Em 1931 faz exame vestibular para medicina em Belém do
Pará e
é aprovado. Sobre o período acadêmico, o Dr. Clidenor relata: “Entrei
na
revolução contra Getúlio, aí a faculdade me expulsou logo depois da
revolução
paulista... eu era líder no meio estudantil na faculdade. Vai então
transferido
para Recife em 1934, onde se forma em 1936.
Desde o período acadêmico, Clidenor
revelava-se um interessado no estudo da neurologia e apresenta em congresso de
estudantes de medicina no Rio de Janeiro (1933) o trabalho: “Um estudo da
célula nervosa do peixe piratinga”. Já em Recife, foi aluno dos professores
Argeu Magalhães, Ulisses Pernambucano e Gouveia de Barros, que o influenciaram
na sua opção pela Psiquiatria.
Chegando ao Piauí, em 1937, Dr. Clidenor
vai trabalhar no interior como médico generalista em Brejo e Coelho Neto, no
Maranhão, e Miguel Alves no Piauí. Passa os anos de 1938 e 1939 no Hospital do
Juqueri em São Paulo, onde se especializa em psiquiatria.
De volta a Teresina, assume a direção do Asilo
de Alienados em 1940. Dr. Clidenor revela que, em 16 de agosto de 1940
(aniversário da cidade de Teresina), como primeiro ato administrativo seu,
mandou retirar as correntes que prendiam as pernas dos pacientes, e juntamente
com alguns deles montou o que viria a chamar de “pirâmide metálica”, na Praça
da Liberdade. Afirma também que mais de cem correntes fizeram parte da
“pirâmide”, sendo esse material doado para “esforço de guerra”.
As transformações ocorridas na
administração de Clidenor Santos no Asilo foram importantes tanto na parte da
estrutura física, quanto na ordem funcional, incluindo-se aí melhorias na
qualidade de atendimento pelo pessoal que lá atendia, como na introdução de novas
terapêuticas aos doentes.
De início, o Dr. Clidenor deu novo nome
ao Asylo, que passou a chamar-se, a partir de 1941, “Hospital Psiquiátrico
Areolino de Abreu”, e que viria a ser popularmente conhecido como
“Psiquiátrico”.
Em
seu discurso (25-07-41), durante
sessão solene da Associação Piauiense de Medicina, da qual era
sócio-fundador
desde 23 de dezembro de 1938. Dr. Clidenor faz um relato dramático da
situação
da saúde mental no Piauí e propõe soluções. Dentre outras, destaca a
incorporação do choque cardiazólico desde sua chegada ao Asylo e a
necessidade
de se ter novas opções farmacoterápicas, além da manutenção das já
existentes,
tais como a permanência do choque insulínico. Queixa-se no relatório da
falta
de fichários, da péssima higiene, da necessidade de ampliação e dos
vários
melhoramentos na estrutura física do Asylo. O velho Asylo havia passado
por
apenas duas ampliações até então, com a construção de mais um pavilhão
em 1920,
pelo governador João Mota, e de outra durante o governo de Landri Sales
(21-05-31 a 03-05-35). Somente após a posse de Clidenor Santos, é que
medidas efetivas seriam processadas na
estrutura física do Asylo.
A reviravolta no Asylo dos Alienados
coincide com importante movimento médico no Piauí, advindo da administração
Leônidas de Castro Melo, médico nascido em Barras/PI (1847) e que ocupava o
governo do Estado na era Getulista em 1941.
Nota-se, nesse período, a criação da
Associação Piauiense de Medicina (1938) e o marco maior, a inauguração do
Hospital Getúlio Vargas em 1941.
Interventor, Leônidas satisfazia as
exigências populistas do getulismo, mas ao mesmo tempo, nutria-se de idealismo
pessoal e, sob seu incentivo, o Piauí revelava uma nova turma de médicos também
idealistas tais como: Lineu da Costa Araújo, José da Rocha Furtado, que
chegaria ao governo, João Coelho Marques, Agenor Barbosa de Almeida, que
chegaria à Prefeitura de Teresina, Clidenor de Freitas Santos e, dentre outros
nomes importantes, ressaltamos a presença de Lindolfo do Rêgo Monteiro,
Prefeito de Teresina nomeado por Leônidas e que esteve à frente do poder
municipal de 01/02/1936 a 14/11/1945, quase o mesmo período de Leônidas à
frente do poder estadual.
Na administração de Clidenor Santos, no Asylo,
são também instituídos como métodos terapêuticos, a malarioterapia e a
eletroconvulsoterapia (ECT). Introduzida após o choque cardiazólico e antes da
ECT, a malarioterapia prestava-se para tratar a Paralisia Geral Progressiva
(sífilis cerebral) e constava da injeção de sangue malárico, provocando-se um
choque endotérmico para, com isso, reduzir-se os efeitos psicorgânicos da
neurosífilis. Esse procedimento perduraria até a década de 60.
Da fase dos tratamentos de choque no
Asilo, o último a ser introduzido foi o eletrochoque, em 1947, conforme atesta
Dr. Clidenor de Freitas Santos. Ele informa que o primeiro aparelho de ECT foi
desenvolvido pelo técnico Benedito Almeida, a partir de informações suas
repassadas com base em um trabalho norte-americano que ensinava como construir
o aparelho e que se baseava, por sua vez, na técnica original de Ugo Cerletti e
Lúcio Bini, que introduziu o uso da ECT em 1938, na Itália. Inicialmente testado
em cachorros, conforme relata Dr. Clidenor, o eletrochoque ganharia muita
dimensão popular. Comentava-se que ele estava com um aparelho que resolveria
todos os problemas de loucura de Teresina. Era o imaginário popular, que
ganhava asas.
Indicado que fora para a direção do Asylo,
pelo Interventor Leônidas Melo, seu ex – professor de Biologia e História
Natural no Liceu Piauiense, Dr. Clidenor firmava-se como o grande nome da Psiquiatria
no Piauí na década de 40. Evoluindo profissionalmente, é nomeado em 1943, para
chefiar o SNDM (Serviço Nacional de Doenças Mentais) no Piauí. Nesse mesmo ano,
conclui um curso de “Medicina de Guerra” pelo Exército, no 25º BC, de onde sai
2º Tenente. Ainda em 1943, inicia as obras do que viria a ser sua grande
realização, o “Sanatório Meduna” para doentes mentais, o qual seria inaugurado
em 1954.
As irmãs de caridade continuavam gozando
de muito prestígio no Hospital, e por ocasião de promoção religiosa da Irmã
Maria Auxiliadora que servia no “Psiquiátrico”, encontramos telegramas enviados
a Caucaia, no Ceará, à Madre Superiora, com votos de felicitações do Diretor,
dos internos da classe A, dos internos da Classe B e dos “bem-aventurados
internos pobrezinhos” (indigentes), do HPAA.
Os registros clínicos do HPAA, na década
de 40, nas suas diversas “Seções” de pacientes (seção Miss-Dix, seção
Kraepelin, seção Sakel, seção Bleuler, seção Mira Y Lopez e seção Pinel)
apresentavam, dentre outros, diagnósticos tais como: Neuro-lues, psicose
auto-tóxica, psicose de involução, arteriosclerose cerebral, catatonia
colibacilar, reação meningea-luética, ptiatismo, psicose infecciosa, psicose
hetero-tóxica, PMD e poucos diagnósticos de esquizofrenia.
Pelo decreto-lei nº 378, de 05 de maio de
1951, no governo de Pedro de Almendra Freitas, um jornal da época anunciava que
a psiquiatria ganhava um novo impulso com a criação do “Serviço de Assistência
a Psicopatas do Estado”. Não se tem noticia de uma ação efetiva desse serviço,
mas provavelmente era o arcabouço funcional do que viria a ser a “Colônia de
Psicopatas”.
Paralelamente ao trabalho que desenvolvia
no organismo público da saúde mental do Estado, Dr. Clidenor de Freiras Santos
desenvolvia também um projeto privado, o de construção do Sanatório Meduna.
Nome esse escolhido em homenagem ao psiquiatra húngaro Ladislau Meduna, que
havia se refugiado nos Estados Unidos, onde se naturalizou após a 1ª Guerra
Mundial, e que foi o descobridor dos efeitos do choque cardiazólico endovenoso
na terapêutica das psicoses endógenas.
A inauguração do Sanatório Meduna, em 21
de abril de 1954, teve repercussão nacional e o Dr. Meduna escreve dos Estados
Unidos agradecendo a homenagem e desculpando-se por não poder comparecer ao ato
de inauguração do Sanatório que levava o seu nome por dificuldades financeiras,
como vemos a seguir na reprodução em fac símile da carta datilografada.
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485, 511, de 1829 -1883 – Arquivo Público do Piauí.
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LIVROS DE REGISTROS,
Casa de Detenção – Arquivo Público do Piauí,1882-1888.
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Teresina/PI.
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MARQUES, Antonio José
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dos. Depoimento oral. 1995. Teresina/PI.
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PIAUHY, Jornal, 05 de
janeiro de 1907, Teresina/PI
35.
PIAUHY, Jornal, 19 de
janeiro 1907, Teresina/PI.
36.
PIAUHY, Jornal, 24 de
janeiro 1907, Teresina/PI.
Psychiatry on lli Brasil
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Volume- 18 Edição do mês de março de 2013.
Editor Giovanni Torello