terça-feira, 28 de novembro de 2017

AS QUEBRADEIRAS DO COCO BABAÇU NO MUNICÍPIO DE MIGUEL ALVES-PI

Foto: Richarle Tuira
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - UESPI
CAMPUS POETA TORQUATO NETO
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA





JAQUELINE DO NASCIMENTO TAVARES





AS QUEBRADEIRAS DO COCO BABAÇU NO MUNICÍPIO DE MIGUEL ALVES-PI: papel econômico e relações socioculturais:
2005 à 2017















TERESINA/PI
2017
JAQUELINE DO NASCIMENTO TAVARES







AS QUEBRADEIRAS DO COCO BABAÇU NO MUNICÍPIO DE MIGUEL ALVES-PI: papel econômico e relações socioculturais:
2005 à 2017




Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena em História, da Universidade Estadual do Piauí como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciada em História.

Orientador: Profa. Me. Clarice Helena Santiago Lira












TERESINA/PI
2017
JAQUELINE DO NASCIMENTO TAVARES



  AS QUEBRADEIRAS DO COCO BABAÇU NO MUNICÍPIO DE MIGUEL ALVES-PI: papel econômico e relações socioculturais: 2005 a 2017



Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena em História, da Universidade Estadual do Piauí como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciada em História.

Orientador: Profa. Me. Clarice Helena Santiago Lira



Aprovada em: 20/10/2017

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Profa. Me. Clarice Helena Santiago Lira (UESPI)
(Orientadora)

_________________________________________________
Prof. Ivan Lázaro Brito e Silva (UESPI)
(Examinador)

_________________________________________________
Prof. Me. José de Arimatéa Freitas Aguiar Júnior
 (Examinador)
































Dedico a meus pais, pelo amor incondicional que me dispensam por me apoiarem e sempre acreditarem no meu potencial.
AGRADECIMENTOS

Quero agradecer, em primeiro lugar, à Deus por sempre me guiar e nunca me abandonou  nos momentos difíceis do curso.
Agradeço a todos os professores do curso que me acompanharam durante a graduação, em especial ao Prof. Cláudio Melo e a Profa. Samara Mendes. Obrigado pelos ensinamentos e pelas dicas na realização deste trabalho.
Agradeço à minha orientadora Profa. Me. Clarice Helena Santiago Lira, que me ajudou nessa pesquisa e não hesitou em tirar minhas dúvidas. Obrigado pela paciência e incentivo.
Agradeço aos colegas de turma da Uespi pelo companheirismo e amizade durante todo o curso, em especial às amigas Maria de Lourdes, Emanuella Monteiro e Rosana Daniela, amigas que sempre estiveram comigo na realização de trabalhos e em todos os momentos.
Aos meu pais Maria Denise, Joaquim Santana e minha irmã Fernanda Maria, por nunca me abandonarem e sempre estarem ao meu lado acreditando no meu potencial e me dando força nos momentos em que desacreditei de mim, me mostrando o real sentido da palavra “família”.
Agradeço a todos da minha família que sempre me deram forças para continuar o curso. Agradeço em especial minhas tias Raimunda, Maria da Conceição e Francisca por me acolherem em sua casa durante todo o curso. Meu eterno agradecimento à vocês.
Não poderia deixar de agradecer também à professora e amiga Lilia Lira, por sempre estar ao meu lado tentando me ajudar da melhor maneira possível. Meus sinceros agradecimentos!
Meus agradecimentos às mulheres quebradeiras de coco babaçu do Assentamento Retrato e suas famílias, por me receberem e me concederem às entrevistas, não medindo esforços para me ajudar.
Enfim, agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.






RESUMO

O trabalho cuja temática trata das “quebradeiras de coco babaçu no município de Miguel Alves-PI: papel econômico e relações socioculturais: 2005 a 2017”, destacou como problema de pesquisa: o papel socioeconômico e cultural do coco babaçu para as mulheres quebradeiras e para o município de Miguel Alves/PI (2005 a 2017). Definiu-se como objetivo geral analisar a trajetória das mulheres quebradeiras de coco babaçu e seu processo de organização no município de Miguel Alves, e como específicos investigar as condições socioeconômicas das quebradeiras de coco do município de Miguel Alves (PI); analisar a  história da extração do coco babaçu no Piauí e o papel recente da associação de quebradeiras de coco em Miguel Alves/PI; discutir as trajetórias de vida das quebradeiras de coco de Miguel Alves/PI, no recorte proposto. Entre os teóricos que discutem a temática destacou-se: Freitas (2002), Hall (2005), Laraia (2009), Marques (2002), tratando da atividade rural, Moraes (2006) entre outros. Sob essa pretensão realizou-se uma revisão de literatura, seguida de pesquisa de campo onde se entrevistou cinco mulheres que fazem parte da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco de Miguel Alves. Para ter acesso às informações utilizou-se como instrumentos, a entrevista semiestruturada O estudo revelou que a Associação tem importância na vida das mulheres quebradeiras de coco babaçu, visto que, facilita a comercialização dos produtos extraídos, ao mesmo tempo em que, promove a realização de cursos contribuindo com o desenvolvimento de suas atividades e proporcionam melhor qualidade de vida para as quebradeiras e suas famílias. A mesma coisa pode-se afirmar com relação a vida econômica do município, pois a extração e comercialização do coco babaçu e de seus produtos movimenta a economia da cidade, desenvolve outras atividades relacionadas a sua produção.

PALAVRAS CHAVE: Economia extrativista. Coco babaçu. Quebradeiras de coco.















ABSTRACT

The paper focuses on the "babassu coconut breakers in the municipality of Miguel Alves-PI: economic role and socio-cultural relations: 2005 to 2017", emphasized as a research problem: the socioeconomic and cultural role of the babassu coconut for women breakers and for the municipality of Miguel Alves / PI (2005 to 2017). It was defined as a general objective to analyze the trajectory of babaçu coconut breakers and their organization process in Miguel Alves municipality, and how to investigate the socioeconomic conditions of coconut breakers in the municipality of Miguel Alves (PI); to analyze the history of the extraction of the babassu coconut in Piauí and the recent role of the coconut breaker association in Miguel Alves / PI; to discuss the life trajectories of the coconut breakers of Miguel Alves / PI, in the proposed cut. Among the theorists who discuss the theme, the following stand out: Freitas (2002), Hall (2005), Laraia (2009), Marques (2002), dealing with rural activity, Moraes (2006), among others. Under this pretense a literature review was carried out, followed by field research where five women were interviewed who are members of the Coconut Breaking Women's Association of Miguel Alves. In order to have access to the information, the semi-structured interview was used as instruments. The study revealed that the association is important in the life of women babassu coconut breakers, since it facilitates the commercialization of the extracted products, at the same time as it promotes the realization of courses contributing to the development of their activities and provide a better quality of life for breakers and their families. The same thing can be said with regard to the economic life of the municipality, since the extraction and commercialization of babaçu coconut and its products moves the economy of the city, develops other activities related to its production.

KEY WORDS: Extractive economy. Coco babassu Breakers.





















LISTA DE FIGURAS, MAPAS E TABELAS

FIGURAS
Figura 01
Babaçual do Assentamento Retrato                                                          p 23
Figura 02
Quebradeiras de coco babaçu do Assentamento Retrato                         p 23
Figura 03
Coco babaçu                                                                                              p 24
Figura 04
Assentamento Retrato                                                                               p 36
Figura 05
Quebradeiras de coco voltando para casa depois do trabalho na mata     p 37
Figura 06 e 07         
Quebradeiras de coco babaçu no Assentamento Retrato                          p 40
Figura 08 e 09
Produção do mesocarpo                                                                            p 41

Figura 10
Figura 11
Figura 12
Figura 13
Produção do azeite de coco babaçu                                                           p 42
Casa de moradores antes da Associação                                                   p 42
Casa de moradores depois da Associação                                                 p 43
Cisterna para armazenar água no Assentamento Retrato                          p 44
Local para guardar e quebra o coco babaçu                                              p 45



MAPA
Mapa 01
Distribuição geográfica do babaçu no Brasil                                     p 25



TABELAS
Tabela 01
Produção de amêndoa do babaçu no Piauí e no Nordeste do Brasil p 27
Tabela 02
Municípios do Piauí –produção de 2002 a 2011                                p 27
Tabela 03
Perfil das entrevistadas                                                                      p 36









SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10
2 AS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU: PAPÉIS, MEMÓRIAS E IDENTIDADES……………………………………………………………………………...13
2.1 O papel econômico e sociocultural das quebradeiras de coco babaçu no Norte e Nordeste do Brasil....................................................................................................................................13
2.2 O conceito de ruralidade como constituinte da cultura e formador de identidades................................................................................................................................15
2.3 O papel da memória na construção das identidades individuais, sociais e grupos.......................................................................................................................................18

3 A HISTÓRIA DA EXTRAÇÃO DO COCO BABAÇU NO PIAUÍ E O PAPEL RECENTE DA ASSOCIAÇÃO DE QUEBRADEIRAS DE COCO EM MIGUEL ALVES.....................................................................................................................................22

3.1 Entre o apogeu e o declínio: A extração do coco babaçu no Brasil e no Piauí...................22

3.2 A extração do coco babaçu em Miguel Alves e o papel da Associação das quebradeiras de coco na vida das mulheres associadas......................................................................................28

4 AS TRAJETÓRIAS DE VIDA DAS QUEBRADEIRAS DE COCO DE MIGUEL ALVES/PI................................................................................................................................36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................48

REFERÊNCIAS......................................................................................................................50

APÊNDICE A- Roteiro de entrevista com a presidente da associação..............................53

APÊNDICE B- Roteiro de entrevista com as mulheres da Associação............................54











1 INTRODUÇÃO

            A presença da mulher exercendo atividade como quebradeira de coco nos desperta a atenção já faz algum tempo, tendo em vista que nessa atividade sua presença é bastante intensa em algumas regiões do Piauí, pois em todo o território piauiense existem mulheres quebrando coco babaçu com o objetivo de sobreviver.
            Sabendo da pouca existência de trabalhos acadêmicos tratando desse assunto, considera-se relevante a pesquisa, tendo em vista ser uma constante a luta das mulheres quebradeiras de coco por melhores condições de vida. Diante dessa realidade, como moradora do município de Miguel Alves (PI) e tendo presenciado durante anos esta atividade, despertou-me o interesse em pesquisar a respeito dessas mulheres, da atividade praticada, a relação com o meio ambiente e principalmente as vantagens proporcionadas a elas pela prática dessa atividade, além de outros aspectos. O ofício de quebradeira de coco vem perdendo força, dessa forma o trabalho tem grande importância, visto que essa atividade pode se extinguir em futuro próximo.  O recorte temporal compreendido entre os anos de 2005 à 2017 foi escolhido devido a facilidade de encontrar informações fornecidas a respeito das quebradeiras relacionadas a esse período.
Diante das problemáticas acima citadas, teve-se como objetivo principal do estudo analisar a trajetória das mulheres quebradeiras de coco babaçu e seu processo de organização no município de Miguel Alves. Objetivando especificamente: investigar as condições socioeconômicas das quebradeiras de coco do município de Miguel Alves (PI); analisar a história da extração do coco babaçu no Piauí e o papel recente da associação de quebradeiras de coco em Miguel Alves/PI; discutir as trajetórias de vida das quebradeiras de coco de Miguel Alves/PI.
Para a concretização dos objetivos propostos, optou-se por realizar uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa. De acordo com Fonseca (2002, p.32), “a pesquisa bibliográfica é feita a partir de levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios de escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites”. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre a temática, procurando referências teóricas já publicadas com o objetivo de reconhecer informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta.
Dentre os trabalhos, vale lembrar a tese de doutorado de Viviane Barbosa (2013, p.32) quando se refere as quebradeiras de coco estarem articuladas ou não, em movimentos sociais, associações, cooperativas ou sindicatos, sejam jovens, adultas ou idosas, negras ou brancas, independente do estado civil, existe aspectos que as faz semelhantes: a realização do trabalho de quebradeira de coco babaçu com a finalidade de sustentar suas famílias. Outro trabalho importante para essa pesquisa foi de Raimundo Lima dos Santos (2009, p.9) destacando sobre a importância da cooperativa para as mulheres quebradeiras de coco babaçu no povoado de Petrolina localizado no estado do Maranhão. Em 1998, um grupo de mulheres fundou a Associação de Quebradeiras de Coco do Povoado Petrolina, contando de início com a ajuda de entidades de classes como do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural(CENTRU) e do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu(MIQCB).
Além da pesquisa bibliográfica, fez-se pesquisa de campo através de entrevistas com algumas quebradeiras de coco da cidade de Miguel Alves (PI), tendo como instrumento de coleta a entrevista semiestruturada. Sobre a entrevista semiestruturada, Manzini (1990) esclarece que está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas
Para o embasamento teórico levou-se em consideração autores como Hall (2005) fazendo referências a cultura e identidade, Marques (2002), tratando da ruralidade, Moraes (2006) tratando das atividades rurais entre outros.
Em relação a metodologia da história oral utilizada no trabalho, considerou-se a perspectiva de Sônia Freitas (2002, p.5), segundo ela a história oral “é um método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da experiência humana”.
O trabalho monográfico encontra-se estruturado em três capítulos:
No primeiro capítulo denominado “As quebradeiras de coco babaçu: papéis, memórias e identidades apresenta-se alguns suportes teóricos necessários ao entendimento do objeto de estudo. Conceitos como ruralidade, memória e identidade são discutidos com a intenção de clarear o papel dos elementos socioculturais e econômicos característicos à comunidades rurais específicas como a da região do extrativismo do babaçu em Miguel Alves relacionando-os com um dos seus principais agentes, as quebradeiras de coco babaçu.
            No segundo capítulo intituladoA história da extração do coco babaçu no Piauí e o papel recente da Associação de Quebradeiras de Coco em Miguel Alves” discute-se a história da extração do babaçu no Piauí ao longo do século XX, sua produção recente, especificamente na cidade de Miguel Alves e o papel que essa atividade vai ter na vida das mulheres quebradeiras de coco daquele município, principalmente das mulheres associadas.
            O terceiro capítulo, que tem como título “As trajetórias de vida das quebradeiras de coco de Miguel Alves/PI, investigou-se a vivência dessas mulheres tanto em relação às questões cotidianas relacionadas ao trabalho do quebrar o coco quanto aos momentos de lazer no intuito de entender o universo sociocultural dessas mulheres a partir de seu cotidiano.



























2 AS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU: PAPÉIS, MEMÓRIAS E IDENTIDADES
            O capítulo faz referências ao papel econômico e sociocultural das quebradeiras de coco babaçu no Norte e Nordeste do Brasil tendo em vista a importância que esta atividade tem para a população das regiões mencionadas. Trata também do conceito de ruralidade como constituinte da cultura e formador de identidades, bem como o papel da memória na construção das identidades individuais, sociais e de grupos.

2.1 O papel econômico e sociocultural das quebradeiras de coco babaçu no norte e nordeste do Brasil

Para se compreender as práticas sociais e culturais inscritas em uma sociedade é preciso identificar a significação destas práticas para os sujeitos ante sua própria realidade histórica, como é o caso das quebradeiras de coco. É importante investigar as vivências e memórias dessas mulheres para se compreender o papel que essa atividade exerce no cotidiano desse grupo social como também em sua subsistência apesar das transformações socioeconômicas transcorridas no último século.
Considerando o contexto social e cultural das quebradeiras de coco é preciso situá-las, como já foi dito, diante do seu cotidiano: o meio rural. Logo, o entendimento desse meio rural deve ser visto em diversos aspectos, mas, principalmente como revelador de suas práticas em um lugar determinado. O extrativismo vegetal, por exemplo, é uma das atividades econômicas praticadas no meio rural tendo como destaque o babaçu.
O denominado babaçu é a palmeira oleaginosa mais importante do extrativismo vegetal brasileiro, e a mais adaptada às condições ecológicas da Amazônia oriental e de alguns Estados do Norte e Nordeste do Brasil - particularmente do Maranhão, do Piauí, de Tocantins e do Pará. Nessas terras, encontram-se também outras espécies de babaçu - a piaçava alta e a piaçava - que possuem utilidade idêntica ao chamado babaçu verdadeiro. Essas palmeiras se desenvolvem melhor em terras de várzeas, pequenas colinas e elevações, e espaços próximos aos vales dos rios.
De acordo com Silva (2010), o babaçu é considerado um dos maiores recursos oleíferos do mundo. É um dos principais produtos extrativistas do Brasil, contribuindo de maneira significativa para a economia do país. Os babaçuais brasileiros concentram-se nas regiões Nordeste, Norte e Centro Oeste, merecendo destaque a região Nordeste que detém atualmente, a maior produção de amêndoas e a maior área ocupada com cocais.
De acordo com Semira Adler Vainsencher (2008) “a extração do babaçu possui também uma importância social, já que tem a capacidade de absorver mão-de-obra nos lugares onde existem as maiores incidências de babaçuais, como é o caso do estado do Maranhão, onde o babaçu representa o principal produto do extrativismo vegetal”. Nesse estado, uma quarta parte do território encontra-se coberta por babaçuais. Cada palmeira pode apresentar, até, seis cachos de cocos, sendo responsável por 80% da produção nacional de amêndoas. O babaçu fornece cerca de setenta subprodutos e, dele, tudo se aproveita. Suas folhas arqueadas chegam a medir oito metros de comprimento e, nas zonas rurais, são utilizadas como telhado das casas.
Semira Adler Vainsencher (2008) afirma ainda que “milhares de mulheres, auxiliadas por crianças, trabalham em babaçuais do Maranhão, do Piauí, de Tocantins e do Pará”. Nas comunidades que vivem do extrativismo costuma-se dizer: se alguma mulher ainda não foi “quebradeira” de coco, um dia virá a sê-lo. Essa atividade é feminina, por tradição, e executada de modo artesanal. As mulheres sustentam um machado preso sob uma das pernas, com a parte cortante voltada para cima, onde apoiam o coco, batendo nele com um pedaço de madeira até o partirem. Feito isso, retiram a amêndoa e colocam-na em um cesto (ou caçuá).
Em sua dissertação de mestrado, Valtey Martins de Souza (2014) relata sobre as mulheres quebradeiras de coco babaçu do Pará afirmando que ao tratar do modo como acontece à coleta, nos mostra que a cooperação simples que ocorre na coleta e na quebra do coco babaçu, torna as mulheres mais próximas e agrupadas, pois o processo extrativo não acontece isoladamente. Assim, as mulheres dirigem-se em grupo para os babaçuais e, apesar do ato da quebra ser individual, elas o fazem próximas umas das outras, conversando. Suas posições, intercaladas com seus respectivos monte de coco, delineiam a figura aproximada de um círculo.
Conforme o documento Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB,2015), as quebradeiras de coco babaçu têm uma grande importância histórica, econômica, social, política, ambiental e cultural na chamada “região dos babaçuais”, que engloba partes dos estados do Pará, Piauí e Tocantins e, principalmente, do Maranhão.
Mais de 300 mil mulheres agroextrativistas exercem a atividade de extrativismo do coco babaçu, mas esta atividade é constantemente ameaçada, seja pelos fazendeiros que tentam impedir o acesso dessas mulheres aos babaçuais, pela expansão do agronegócio na região de predominância dos babaçuais, pela dificuldade da comercialização dos produtos oriundos do babaçu, ou pela dificuldade de acesso à terra e aos babaçuais, que garantem às quebradeiras a continuidade do seu modo de vida.
No Piauí, a cidade de Miguel Alves tem um papel fundamental na extração do coco babaçu e em razão disso as quebradeiras de coco e suas famílias tornam-se fundamentais para a compreensão da história econômica e cultural dessa região como também do estado. De acordo com Antonio Joaquim da Silva (2011, p.19) levando em consideração dados do IBGE, Miguel Alves foi município líder dessa produção entre os anos de 2000 a 2008. Além da importância econômica Silva (2011), ressalta a importância sociocultural da atividade extrativa do babaçu na reprodução social do espaço de famílias agroextrativistas, pois diversas famílias que vivem em comunidades locais do município desenvolvem atividades de cultivo agrícola e pastoril consorciadas com o extrativismo do babaçu.
Antônio Joaquim da Silva (2011, p. 53) ainda explica que para o município de Miguel Alves – PI, estado do Piauí e região Nordeste, os valores da produção entre os anos de 2000 a 20008 podem ser considerados similares ao valor em uso no país. Todavia, em Miguel Alves e no estado do Piauí, o valor da produção para o período mencionado apresenta-se um pouco acima do praticado no Nordeste e no Brasil.
Nesse sentido, para o período de 2000 a 2008, o valor da produção da amêndoa do coco babaçu é considerado positivo, variando próximo de 168,0%, no Brasil; 166,0%, no estado do Piauí; 160,0%, para região Nordeste e município de Miguel Alves.
Logo, o estudo das quebradeiras de coco de Miguel Alves, no Piauí, num contexto mais especifico de ruralidade, é necessário para o entendimento da cultura e identidade daquela região, que tem nas mulheres trabalhadoras rurais, sujeitos importantes na economia como também na organização sociocultural daquele espaço.

2.2 O conceito de ruralidade como constituinte da cultura e formadora de identidades

Para cada um dos espaços que habita, o ser humano possui práticas, costumes e rituais diferenciados, e um dos principais é a utilização dos recursos naturais para manutenção da sua vida. A intervenção no meio ambiente e, consequentemente, a modificação dos recursos naturais como principal artifício para assegurar subsistência, é uma das características principais, por exemplo, do sujeito que habita o campo. Mas é importante lembrar que assim como o homem interfere na natureza, a natureza também interfere no homem.
As formas como os seres humanos realizam a intervenção no espaço geográfico é moldada por aquilo que se entende por cultura[1], e essa modificação constrói algo maior, duradouro. A cultura é caracterizadora do que se entende como identidade, algo que constitui o sujeito. Denys Cuche (1999) afirma que a cultura permite ao ser humano não somente adaptar-se a seu meio, mas também adaptar este meio ao próprio ser humano a suas necessidades e seus projetos. Em suma, a cultura torna possível a transformação da natureza.
Nesse sentido é preciso esclarecer que cultura e identidade não é algo com que se nasce, não vem moldado, pelo contrário, é um processo que envolve as práticas cotidianas e vai sendo transformado a cada representação da prática diária com a qual os sujeitos estão envolvidos. Stuart Hall (2005, p. 47), acrescenta que “no mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”, mas também é importante lembrar que existem outras fontes.
Assim, a cultura local e nacional, que é diversa, é estipulada pelas instituições sociais nas quais os sujeitos transitam e se inserem, carregando seus símbolos, concebendo seus discursos e sendo fundamental em suas práticas e concepções que ele elabora para si e para o mundo. Ou seja, à cultura local e nacional cabe também a formulação das histórias que são contadas, e para a elaboração de uma imagem do próprio sujeito histórico e de uma comunidade que também se vê tal qual, através dos tempos.  Dione Moraes (2006, p. 16) entende que “a construção das identidades culturais são representações sociais de pertencimento a uma mesma grande família nacional, concretizadas por dispositivos discursivos que representam as diferenças como unidade ou como identidade”.
Assim, diversas representações são elaboradas a partir do ponto de vista do sujeito histórico e da sua identidade. Nesse sentido pode-se afirmar a existência de uma identidade do rural e sendo assim, considera-se que existe uma identidade cultural específica ao espaço histórico-geográfico rural do município de Miguel Alves-PI, produzido entre outros pelo extrativismo do babaçu e como desdobramento pelas quebradeiras de coco e suas famílias.
Dione Moraes (2006) ressalta que no caso da nação brasileira essa identidade tradicionalmente é dividida entre litoral-sertão-selva, acompanhando a ocupação dos espaços geográficos na história do país. Essa representação identitária solidificou-se e acabou por dar sentido à nação brasileira e à identidade sertaneja. Nesses espaços geográficos determinantes de identidade, encontram-se os mitos de fundação que permeiam a memória nacional, como por exemplo, o atrelamento da “nação piauiense” aos percursos do gado.[2]
Dione Moraes (2006) acrescenta que essa imagem do Piauí como devendo seu nascimento ao gado, ou seja, rural desde o início, é vista sempre com dualidades, ora um problema ora uma dádiva. A autora reitera ainda que essa maneira de ver é mais uma romantização da simbologia do sertanejo elaborada no Brasil:

Essas avaliações podem ser relacionadas, em dois grandes traços, à perspectiva romântica, pela qual sertão, sertanejos e sertanejas aparecem como símbolo da nacionalidade e por um modo de vida caracterizado pela destreza e simplicidade – ou à perspectiva realista, pela qual o sertão e seus habitantes são tidos como problema e se opõem à urbanidade. No imaginário social, por sertão se referem traços geográficos, demográficos e culturais que deixam entrever múltiplos sertões e não apenas um. (2006, p.17)

Marta Inez Medeiros Marques (2002) assim como Dione Moraes (2006) acredita que exista um problema muito mais grave com relação a essa simbologia. Elas afirmam que isso se dá em decorrência da não elaboração de um conceito oficial e amplo daquilo que se entende por rural, logo, se não há, criam-se diversas explicações e visões sobre essa imagem, como tal, o caso da romantização da figura do sertanejo.
            Elas explicam que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só aponta significações para o que é considerado como urbano. Para o instituto, baseado em seus critérios, urbano seria toda cidade e vila, povoada por construções, delimitadas por ruas e intensa atividade humana. Nota-se que não existem referências àquilo que se considera como campo ou o mundo do rural ou mesmo o diverso do urbano, logo

o espaço rural corresponde a aquilo que não é urbano, sendo definido a partir de carências e não de suas próprias características. Além disso, o rural, assim como o urbano, é definido pelo arbítrio dos poderes municipais, o que, muitas vezes, é influenciado por seus interesses fiscais (MARQUES, 2002, p.97)

            Para definir o que se conhece como rural, Marques (2002) diz que os Estados se baseiam em três critérios: o quantitativo populacional, a atividade agrícola e a organização politica-administrativa. A partir disso a autora aponta a necessidade de levar-se em conta três aspectos que não estes, pelos quais os Estados se baseiam, quais sejam: povoação de áreas, relação com a natureza e dependência do sistema cosmopolita. Marques (2002. p.100) também aponta que uma parte dos teóricos também apresenta novas maneiras de entender a ruralidade, colocando alguns critérios nessa avaliação, tais como:

(1) diferenças ocupacionais ou principais atividades em que se concentra a população economicamente ativa; (2) diferenças ambientais, estando a área rural mais dependente da natureza; (3) diferenças no tamanho das populações; (4) diferenças na densidade populacional; (5) diferenças na homogeneidade e na heterogeneidade das populações; (6) diferenças na diferenciação, estratificação e complexidade social; (7) diferenças na mobilidade social e (8) diferenças na direção da migração.

            Diante da problematização do conceito de ruralidade, parte-se para a realidade mais especifica da ruralidade no Município de Miguel Alves (PI), podendo ser percebido a diferença entre viver em zona rural e viver em zona urbana, a partir da realidade de famílias do campo, que vivem da extração do coco babaçu.

2.3 O papel da memória na construção das identidades individuais, sociais e de grupos
           
Conhecer o cotidiano rural de Miguel Alves (PI) no período compreendido entre 2005 até os dias atuais é importante, tendo em vista que o mundo rural tem histórias que ainda precisam ser reveladas, entre elas o universo das quebradeiras de coco cujo oficio é tradicional, ou seja, ofício que acaba revelando a cultura e identidade de uma dada comunidade rural.
            Nessa busca de conhecer as práticas e vivências culturais que garantem a ruralidade é preciso acentuar o que demarca as diferenças entre o que se conhece por “roça” e cidade, a partir do olhar dos moradores da comunidade em questão.     De modo que isto só é possível pelo entendimento de que a memória é fator crucial para o conhecimento da história e dos comportamentos, uma vez que ela é gerida por aquilo que Walter Benjamin (1987) chamaria de transmissibilidade.
Sobre isto, ele acredita que a “transmissibilidade é aquilo que passa de geração em geração, principalmente dentro do ambiente familiar. Para ilustrar seu conceito sobre tal, ele discorre sobre uma fábula na qual o pai, em seu leito de morte, revela aos filhos que havia um tesouro escondido em sua vinha, logo, os filhos saem à procura de tal objeto e não acham nada”. Depreende-se dessa história que o tesouro que o pai havia deixado aos filhos não era algo de valor material, mas que a vinha simboliza que a herança deixada era o próprio exercício do trabalho. Ou seja, a herança seria a própria experiência transmitida de pai para filho.
Essa experiência transmitida de maneira oral, não é característica apenas de comunidades ágrafas, mas também pode ser vista em comunidades rurais e também em urbanas, ainda que de formas diferenciadas. Como exemplo dessa transmissão estão as brincadeiras e cantigas de roda.
            A tradição ampara-se na memória para que aconteça. Maurice Halbwachs (1990, p. 25) postulou sobre o uso social da memória, discorrendo sobre sua funcionalidade e amparando-se, principalmente em dois tipos: a individual e a coletiva. Sobre a primeira, é aquela pertencente a cada indivíduo, que apesar de individual não é isolada. Porque para conhecer alguns fatos do seu próprio passado, é preciso se amparar em memórias que outras pessoas elaboraram sobre o mesmo fato.
            Essa memória individual, ou autobiográfica se apoia na memória coletiva (aquela que faz parte de uma história mais ampla). Essas memórias estão sujeitas a transformações justamente porque se dão no campo social. Sobre essas transformações, Pollak (1992) acredita que elas ocorrem porque há momentos tão marcantes que se tornam realidade, passando a fazer parte do próprio eu de cada pessoa. Para ele, existem elementos primordiais na constituição da memória individual e coletiva: em primeiro, os acontecimentos vividos; depois os acontecimentos vividos pelo grupo, podendo até ser que não se tenha estado nele, mas que fazem parte do imaginário social; e por último, as pessoas e personagens que povoam os acontecimentos.
            Pollak (1992) acrescenta que nesse jogo da memória nem tudo fica gravado, o que significa que ela tem capacidade de seleção. Quando cai no campo social a memória também se torna objetivo de disputa para saber quais acontecimentos ficam ou não gravados na memória de um povo. Se é social a memória é algo construído, imputado. Logo, quando se trata da memória que herdamos, pode-se dizer que ela é constituidora da identidade.

Aqui o sentimento de identidade está sendo tomado no seu sentido mais superficial, mas que nos basta no momento, que é o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros. (POLLAK, 1992, p.5)

Logo, quando as moradoras entrevistadas rememoram sobre suas histórias, os seus percursos estão também rememorando a história de sua comunidade. Nesse sentido, não se pode falar de história de vida sem falar dos acontecimentos relacionados a ela, pois a vida é construída de fatos, de histórias que foram ocorrendo no decorrer do tempo e assim foi se formando a história da vida dos habitantes de uma certa comunidade, como é o caso das mulheres quebradeiras de coco.
Em se tratando do extrativismo vegetal, fazendo referência ao município de Miguel Alves, Silva (2011) em sua dissertação de mestrado esclarece que, na perspectiva de tentar compreender a dinâmica da atividade de exploração do coco babaçu e sua importância econômica e sociocultural para muitas famílias agroextrativistas em Miguel Alves, procurou-se abordar alguns aspectos intrínsecos da realidade dos sujeitos sociais inseridos na conjuntura do sistema produtivo do coco babaçu.
 Em diferentes lugares do Brasil, as quebradeiras de coco desenvolvem percursos em grupo geralmente ao amanhecer do dia em direção aos babaçuais. Assim, ao escolherem as palmeiras dar se o inicio da coleta, quebra e extração da amêndoa, entonada por cantorias, conversas e desabafos.
A atividade apresenta as categorias sociais: quebradeiras de coco, intermediários e empresários industriais. Na categoria social quebradeira de coco, destacam-se a organização sociopolítica, o manejo utilizado na atividade de exploração do coco, os produtos gerados e os mercados de consumo, a situação socioeconômica, seus modos de vida e a relação com o meio ambiente.
As comunidades apresentam-se deficientes ao acesso de serviços considerados básicos para assegurar as condições mínimas de qualidade de vida para as famílias que nelas vivem. As políticas públicas precisam ser consideradas como medidas para assegurar maior equidade de benefícios para os segmentos sociais que estão na base do sistema produtivo do babaçu. Mesmo com a existência de máquinas e equipamentos destinados à quebra e beneficiamento do fruto (coco) do babaçu o trabalho principalmente da quebra do coco é realizado de forma artesanal, ou seja, ocorre de forma primitiva. Essa atividade é praticada principalmente por mulheres e crianças, porém, os homens também realizam atividades de coleta e quebra do coco babaçu (SILVA, 2011, p.81).
Conclui-se ser importante conhecer sobre a história de vida das mulheres quebradeiras de coco do município de Miguel Alves/PI, bem como as mudanças ocorridas na vida das mesmas com a venda dos produtos adquiridos através do babaçu. Entender o cotidiano dessas mulheres é interessante, saber que essa atividade é transmitida de mãe para filhas, ao mesmo tempo que procuram acompanhar as mudanças ocorridas no meio rural.






























3 A HISTÓRIA DA EXTRAÇÃO DO COCO BABAÇU NO PIAUÍ E O PAPEL RECENTE DA ASSOCIAÇÃO DE QUEBRADEIRAS DE COCO EM MIGUEL ALVES
            Este capítulo destaca a extração do coco babaçu no Piauí e sua influência na economia do Estado, conhecendo a história entre o apogeu e o declínio da extração do coco no Brasil e no Piauí, e o papel da memória na construção das identidades individuais, sociais e grupos, conteúdos relevantes para o tema em questão.

3.1 Entre o apogeu e o declínio: a extração do coco babaçu no Brasil e no Piauí

Segundo Sousa (2017) em termos econômicos, por muito tempo a cidade de Miguel Alves (PI) desenvolveu-se no setor primário, destacando-se a agricultura, pecuária e principalmente o extrativismo vegetal com a exploração do babaçu. Por muitos anos, esse último foi o produto principal do município, o primeira a produzir sub-produtos da amêndoa. O produto é utilizado na fabricação de óleos, sabões, sabonetes, artesanatos e também na culinária.
É constatado um predomínio de mulheres quebrando coco babaçu, que acabam por reunir-se em grupos de quebradeiras de coco, como são conhecidas. Na realidade, não existe uma explicação concreta para a predominância das mulheres na quebra do coco babaçu, o que se observa é o fato das mesmas possuírem mais habilidades e prática na coleta e retirada da amêndoa e assim, acabam por se destacar nessa atividade. A cultura do babaçu, provavelmente, começou pelo trabalho indígena com a natureza e sua relação com os frutos. Relatos da utilização do produto datam ainda do século XVII, conhecido nesse período como aguaçu, coco-de-macaco (GOMES, 2014).
Segundo Gomes (2014, p.26) em diferentes lugares do Brasil, as quebradeiras de coco desenvolvem percursos em grupo geralmente ao amanhecer do dia em direção aos babaçuais. Assim, ao escolherem as palmeiras dar se o inicio da coleta, quebra e extração da amêndoa, entonada por cantorias, conversas e desabafos. A maior concentração de babaçuais se dá nas regiões norte, nordeste e centro oeste do país, já citado anteriormente.






 
 









                
      Figura 01. Babaçual do Assentamento Retrato no município de Miguel Alves/PI
        Fonte: Tavares/2017


Figura 02. Quebradeiras de coco babaçu do Assentamento Retrato no município de Miguel  Alves/PI
      Fonte: Tuira/2017

Na figura 01 pode-se ver o babaçual, onde se observa a beleza da mata dos cocais em seu esplendor.  Conforme Lorenzi (2004), a planta do babaçu apresenta caule solitário, colunar, de 10-30 m de altura e 30-60 cm de diâmetro. Suas folhas são pinadas, eretas e divergentes, com 175-260 pinas regularmente distribuídas sobre toda extensão, as flores, geralmente, são creme-amareladas, estaminadas10, distribuídas em duas fileiras ao longo de um dos lados das raquilas.
O período vegetativo da palmeira, desde a germinação do coco até a produção do primeiro cacho, é de 7 a 12 anos, com uma vida produtiva de aproximadamente 60 anos, considerando as condições locais de ocorrência as palmeiras de babaçu possuem grande poder de invasão em áreas conturbadas, ocupando florestas e o cerrado em consequência do elevado grau de polimorfismo (LORENZI, 2004).
Cada palmeira do babaçu pode apresentar até seis cachos de coco, sendo responsável por 80% da produção nacional de amêndoas. O babaçu fornece cerca de setenta subprodutos e, dele, tudo se aproveita. Suas folhas arqueadas chegam a medir oito metros de comprimento e, nas zonas rurais, são utilizadas como telhado das casas (VAINSENCHER, 2008).
Já na figura 02, as mulheres quebradeiras de coco do município de Miguel Alves o modo simples de quebrar o coco deixa claro a vida sofrida que enfrentam para conseguirem uma renda que atenda as suas necessidades. As mulheres costumam se agrupar para extração do coco, geralmente são mãe e filhas, vizinhas, ou mesmo outras que dão suporte ao grupo. O instrumento mais utilizado nessa prática é o machado, acompanhado por um pedaço de pau (cacete) grosso para facilitar a quebra do coco e retirada da amêndoa. Permanecem sentadas na maioria do tempo, levantando-se apenas para descansar as pernas e fazer as necessidades fisiológicas. O tempo de duração da atividade é em média 8 horas, muitas saem de casa ao amanhecer retornando ao anoitecer (SILVA, 2011). 

              
Figura 03. Coco babaçu
Fonte: Acervo pessoal – 2017  Região: Miguel Alves

Para Pinheiro (2012, p.22) “as práticas da quebra do babaçu para as quebradeiras de coco vão além do lado econômico, nos babaçuais estão as memórias dessas mulheres”. Subtende-se que essas memórias são importantes para a compreensão das práticas culturais que interligam a memória coletiva do grupo com o trabalho. Pode-se falar em memórias subterrâneas dessas mulheres quebradeiras de coco que, para o estudo são fundamentais por articularem-se às práticas nos babaçuais existentes no município.

Mapa 01. Mapa da distribuição geográfica do babaçu no Brasil/1994
Distribuição geográfica do Babaçu
Acesso em: 22 /01/17

Pelo mapa observa-se a ocorrência do babaçu nos estados do Acre, Amazonas, Maranhão, no norte de Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia e Tocantins. Contudo, as grandes extensões podem ser vistas nos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, enquanto nos Estados do Acre, Amazona, Pará e Rondônia e Norte do Mato Grosso o mesmo é pouco frequente.
Conforme Queiroz (2006) houve uma ascensão da venda do babaçu no período da Primeira Guerra Mundial[3], em razão da escassez de óleos vegetais, as exportações do coco piauiense passaram a aflorar. A autora acrescenta:
Quer a demanda fosse de origem interna, quer externa, entre 1917 a 1920 o babaçu contribuía junto aos cofres públicos do Piauí com imposto em valores superiores ao algodão e à borracha, tendo à sua frente, como gerador de receita, apenas a cera de carnaúba. Os preços ainda não eram altos, mas suficientes para propiciar a organização econômica da exploração. A partir da Primeira Guerra, a coleta do babaçu e a extração da cera de carnaúba passavam a ser as atividades mais importantes do Estado. (QUEIROZ, 2006, p.48)

Queiroz (2006) afirma que dessa forma, no período compreendido entre 1914 a 1918 o extrativismo do babaçu teve seu apogeu em terras piauienses contribuindo para o crescimento econômico do estado, tornando-se nesse período uma das atividades econômicas mais praticadas da região.  E o município de Miguel Alves fez parte desse contexto destacando-se como um dos maiores produtores. Assim estabeleceu-se o ciclo do babaçu, principalmente entre os anos de 1917 a 1920. Esse apogeu deu-se, especialmente, pelo equilíbrio no preço do babaçu em relação a outros produtos que também estavam em alta como a maniçoba e a carnaúba.
Anos depois, em 1929, com a quebra da bolsa de valores de Nova York[4], o comércio do babaçu sofreu uma baixa. Em 1930, o babaçu só perdia em exportação para a cera de carnaúba. No mesmo ano foi despertado o interesse dos americanos pelo produto, tornando-se em anos posteriores os maiores compradores. Nessa época o babaçu e a carnaúba eram a base da produção econômica do estado do Piauí. O apogeu do produto durou até os anos de 1950, onde começaram a cessar as exportações. Nessa mesma época deu-se início o processo de industrialização das amêndoas para extração de óleo. Um grande passo foi dado durante o ano de 1972 quando o óleo começa a ser utilizado para produção de sabonetes, óleos comestíveis e alimentação animal (QUEIROZ, 2006).
Pinheiro (2012) informa que no estado do Piauí, existem, geograficamente pontos estratégicos e abundantes para o babaçu, mas que nos últimos anos esse produto vem sofrendo inúmeras consequências em razão da troca de cultura alimentar, sofrendo assim, substituições por outras culturas extrativistas. De acordo com Pinheiro,

O babaçu no estado do Piauí apresenta-se quase que de forma contínua, num raio de aproximadamente 40km a leste do baixo e médio Parnaíba. Abrange um total de 33 municípios. A maioria dessas áreas vem sendo devastadas ao longo do tempo. Programas como o Proálcool, o reflorestamento com bambu e a implantação de pastagens artificiais vem afetando os babaçuais. Os municípios mais afetados são os de União e Miguel Alves (2012, p.26).


            Conforme a afirmação acima, é grande a extensão do território piauiense onde se presencia a palmeira do babaçu, contudo, com o desmatamento que as áreas têm sofrido para a utilização de outras atividades a produção do produto vem sendo afetada, inclusive nos municípios de União e Miguel Alves que se destacavam como grandes produtores.
            Esse declínio da produção do coco babaçu tanto no Brasil como no Piauí pode ser visualizado no levantamento feito por Gomes; Macedo (2013), apresentado nas tabelas abaixo:
Tabela 01 –Produção de amêndoa do babaçu no Piauí, Nordeste e Brasil-2002/2011
    FONTE: GOMES; MACEDO (2013, p.13)
Tabela 02 Municípios do Piauí em destaque na produção de amêndoa do babaçu-2002/2010
FONTE: GOMES; MACEDO (2013, p.14)
Analisando a tabela 01, pode-se observar que no período compreendido entre 2003 a 2011, o Estado do Piauí apresentou maior produção da amêndoa do babaçu tanto a nível de Nordeste (5,55%) quanto a nível de Brasil (5,45), tendo um crescimento de 4,58%. No entanto, no ano de 2007, foi o que registrou maior queda na produção, 4,4% em relação ao Nordeste e 4,38% em relação ao Brasil.
Quanto à tabela 02, fazendo referências aos municípios do Piauí que exploram o babaçu, entre os anos de 2002 a 2010, a maior cidade produtora de amêndoa foi Miguel Alves sendo que no ano de 2011 perdeu para a cidade de Barras. Nesse caso, não se tem uma justificativa concreta para esta mudança, mas acredita-se que o fato pode estar relacionado com o Programa Bolsa Família, em que muitas famílias passaram a receber melhorando a renda e diminuindo assim a prática dessa atividade.
Outro fato pode estar relacionado a outras atividades desenvolvidas na região como agricultura familiar e criação de gado caprino, ocasionando a redução do extrativismo vegetal na região e em especial do coco babaçu. Percebe-se, portanto, o declínio na extração do babaçu, que vem sendo reconhecido, como atividade não valorizada perante as pequenas produtoras, quebradeiras, que passam a trabalham na agricultura familiar.

3.2 A extração do coco babaçu em Miguel Alves e o papel da Associação das Quebradeiras de Coco na vida das mulheres associadas

            Nesta parte do capítulo serão analisados aspectos que demonstram uma ligação identitária entre a extração do coco babaçu e as mulheres quebradeiras de coco. Para tal, é traçado um panorama do cotidiano dessas mulheres, revelando suas condições de vida, relações afetivas, desejos, crenças, esperanças, etc.
            Primeiramente é preciso entender o oficio de quebradeira de coco, como uma posição social que revela os traços pelas quais se identificam essas pessoas perante a sociedade, como também compreender que quebrar coco é uma prática social, reveladora da identidade e da memória das pessoas e comunidade. Parte-se, então, para o público-alvo da pesquisa: as mulheres quebradeiras de coco, que compõem a Associação das Quebradeiras de Coco do município de Miguel Alves, organização que torna representativa a luta dessas mulheres ao longo da trajetória do grupo.
A Associação das Quebradeiras de Coco é um grupo que compreende apenas mulheres pertencentes à zona rural do município de Miguel Alves, compondo-se esse grupo principalmente por aquelas que trabalham com o coco babaçu, com a palha, o mesocarpo e o azeite. Sobre o processo que levou à fundação da Associação naquele município, a presidente da instituição no mandato atual, Alzira de Sales Pereira[5] deu as seguintes informações:

Ela começou em 2005, mais ou menos. Ai em 2007 foi que se estendeu pra cá pra nossa região. A gente começou a participar das reuniões, dos encontros que estavam vindo através da CPT né, a Comissão Pastoral da Terra né, as irmãs. Aí quando foi em 2009 é que ela foi fundada mesmo, o registro dela está de 2009, mas desde 2005 ela já vinha encaminhada né, ai em 2009 é que ela foi registrada mesmo (PEREIRA, em 04/07/217)
             
            Dessa forma, entende-se que a Associação surgiu a partir de encontros constituídos por mulheres ligadas a quebra do coco babaçu contando com o apoio da Comissão Pastoral da Terra que vendo a luta das mulheres resolveu ajudá-las. Como se viu, demorou um pouco para a mesma ser criada, tendo inicio o movimento em 2007 e se concretizando em 2009, com sede na comunidade Ezequiel. A Comissão Pastoral da Terra desenvolve trabalho em Miguel Alves com o acompanhamento e organização de áreas de conflitos e assentamentos. Mais recentemente, a CPT-PI intensificou o apoio aos grupos de mulheres que resultou na criação da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco, onde são desenvolvidos trabalhos de geração de renda, associativismo e educação. O trabalho é considerado referência e a experiência foi levada para o Encontro de Políticas Públicas, ocorrido em novembro de 2009 em Fortaleza (CE).
No Pará, as lutas sociais movidas pelas necessidades de garantir acesso à terra e ao babaçu na região denominada Bico de Papagaio, nas décadas de 1980 e 1990 tiveram inicio com a mobilização que envolvia homens e mulheres incentivados pela Comissão Pastoral da Terra –CPT, para se organizar em torno da luta pela terra e pelo acesso às palmeiras do coco babaçu (ROCHA, 2011).
De acordo com Silva (2010), essa associação nasceu de uma organização de mulheres que buscavam fortalecer seus direitos políticos, culturais e de gênero. Mulheres associadas vindas dos assentamentos e comunidades como São Jerônimo, Bom Princípio, Ezequiel, Paraíso São Benedito, Riacho do Conrado, Santana, Centro do Designo, Jenipapeiro da Mata, Lagoa do Mato, Mato Seco, Pedra Grande, Retrato, Todos os Santos. Foi organizada conforme a proximidade das comunidades, sendo dividida em três setores, onde as mulheres se encontram mensalmente. Tendo sido construído uma pequena sede em cada setor onde são desenvolvidas atividades de organização e produção.
            Na exploração e produção, são aproveitados além do coco babaçu, da amêndoa e do mesocarpo, materiais de limpeza e artesanais muito utilizados em várias regiões do estado. A associação também já se utiliza de máquinas de moagem do coco babaçu que auxiliam no desenvolvimento das atividades, além de existirem projetos que ainda estão em andamento. (ROCHA, 2011).
             Através da Associação, as mulheres já conquistaram vários benefícios, melhorando sua qualidade de vida. A luta pela conquista de direitos políticos, culturais e de gênero foi o que motivou as mulheres a formar essa organização. De acordo com a presidente da Associação, a vida das quebradeiras antes da organização associativa não era nada fácil:

a nossa vida aqui era bem difícil, porque era terra de patrão ainda, era só quebrando coco e vendendo na budega né, pelo valorzinho mínimo. Ai aqui hoje é assentamento, na época que surgiu já era assentamento, já era por conta do Incra. Ai a gente não conhecia esse pessoal da Comissão Pastoral da Terra, essas irmãs, mas, como na época tinha um presidente muito bom que é da Associação do Incra aí ele foi a um encontro em Miguel Alves, achou importante e pediu para que elas viessem e aí foi quando a gente foi conhecer, a gente foi começando a se interessar né, foi achando bom né. Aí foi continuando, aí foi se dividindo em vários setores mais ou menos em uns dez setores que tinha na época, era muita mulher, mais aí foi indo, a maioria também já era de idade, aí foi indo e foram se afastando e ficando as mais novas né. Aí hoje ela é dividida em três setores, o Conrado, o Jenipapeiro e aqui o Retrato, mais foi assim através do presidente da Associação que trouxe (PEREIRA, 04/07/2017).

            Constata-se pelo depoimento da presidente que foram muitas as dificuldades enfrentadas pelas quebradeiras de coco babaçu antes de formarem a Associação, estando em terras alheias, tinham que se submeter as exigências do proprietário que se beneficiavam à custa do trabalho dessas mulheres.
A venda dos produtos extraídos do coco babaçu proporciona um aumento na renda das mulheres daquela região, algo ressaltado pela presidente quando indagada sobre a importância do babaçu na renda das famílias associadas que quebram coco:

ajuda muito, ajuda, porque assim, se nós estamos bastante aperreadas mas nós temos o coco em casa pra nós quebrarmos, nós temos o coco ali no mato, nosso marido não precisa estar se acabando de trabalhar pra está resolvendo alguma coisa que nós podemos resolver. A gente vai, a gente quebra o coco, a gente faz o azeite, a gente vende no mesmo dia já recebe aquele dinheiro, ou seja, já cobre uma despesa, então já maneira para o marido, então ajuda sim, eu acredito que ajuda, porque nós aqui somos prova disso, e a maioria de nós mulheres, a maioria das despesa da casa é por conta nossa, porque nós damos conta, nós pagamos um talão de luz, nós pagamos uma conta, nós compramos um quilo de carne pra comer, a gente compra uma roupa pra vestir, a gente compra uma roupa pra um filho, a gente ajuda e é muito importante, se a pessoa realmente se interessar (PEREIRA, 04/07/2017)

            Pela resposta dada, percebe-se o quanto é importante a renda obtida da venda do produto do coco babaçu, já que muitas quebradeiras ajudam nas despesas de casa, possibilitando assim melhorar sua qualidade de vida, e conforme a fala da entrevistada, as mulheres também procuram investir em seu visual, comprando roupas, calçados e outros acessórios para elas.
            Pode-se constatar a preocupação da mulher em ajudar nas despesas de casa, já que o orçamento familiar fica pesado para o marido manter sozinho, daí a divisão das despesas torna-se importante para ela, que investe a renda da venda dos produtos extraídos do coco babaçu em beneficio da família, além de comprar objetos de uso pessoal tanto para ela como para os filhos.
            E como bem afirma Costa (2007) citado por Barbosa (2013) a ascensão econômica do babaçu como produto de grande valor no mercado local e nacional, assim como destaque na lista de exportações, a partir do inicio do século XX, veio acompanhada pela obliteração simbólica e prática dos sujeitos relacionados à extração do babaçu. Convém destacar que as múltiplas formas de protagonismo das mulheres na economia de subsistência apontam para a grande força política; neste caso, trata-se de reconhecer uma regularidade histórica passível de ser observada na longa duração. Além disso, a dinâmica do extrativismo realizado por essas mulheres é marcada pela tendência a uma economia autônoma, à autarquia em relação ao mercado, o que na prática leva a reafirmação de vantagens reais na esfera da produção e reprodução.
De acordo ainda com a presidente, dada a importância dos produtos extraídos do babaçu, a procura é grande, sendo os mesmos vendidos nas feiras de municípios próximos e até mesmo para a capital do estado:

Nós vendemos nas feiras, a gente sempre faz as feiras, a gente faz em Miguel Alves, União, Porto e Teresina. Mas a gente tem os compradores também em Teresina que é na Casa do Queijo, na Doces e Frutas que sempre encomendam né, é 20 quilos de mesocarpo, 10 quilos de azeite. A gente divide, nós aqui do Retrato trabalhamos mais com o azeite e o mesocarpo, o setor do Conrado trabalha mais com o biscoito, aí sempre quando vem encomenda a gente se reúne tudinho e diz: - Veio tantas encomendas de biscoito, aí a gente passa lá pro Conrado, tantas encomendas de azeite, aí a gente divide né, porque eles também trabalham com o azeite, aí fica uma parte de azeite pra cá e uma parte de azeite pra lá, já o Mesocarpo é só daqui do setor do Retrato. Quase todos os meses tem feira, tem umas duas ou três feiras por mês (PEREIRA, 04/07/2017).

            Analisando a resposta da entrevistada, observa-se que a venda dos produtos não se resume apenas nas feiras do município de extração, mas também por outros municípios como União e Teresina. Isso comprova a boa qualidade e utilização dos produtos, o que favorece ainda mais sua extração. Embora sejam extraídos e comercializados vários produtos, de acordo com a presidente tem um em especial que se destaca pela procura. Sobre o produto que tem maior saída a entrevistada afirma:

É o azeite. Assim mermã, aqui na região é o azeite. Quando a gente vai pra Teresina, aí é o azeite e o mesocarpo que as pessoas se interessam muito. Aqui era para a gente ter uma grande saída na questão do mesocarpo5, mas não tem muita força do poder público. Aí para fora as pessoas reconhecem muito, quando a gente leva para a feira não chega, não dá para nada, quando as pessoas veem já querem. Até porque é um produto natural, é um produto que tem bastante utilidade, tanto nutricional, quanto medicinal. Nas receitas ele já é utilizado como medicamento nas receitas que a gente faz, mas também a gente faz ele diluído para tomar, é bastante bom para a inflamação, para todo tipo de inflamação, para os rins, para a gastrite, para vários tipos de enfermidade (PEREIRA, 04/07/20170).

            Pela fala da presidente da Associação o azeite e o mesocarpo[6] são os produtos mais procurados pela população, daí o mesmo ser bastante comercializado, tendo várias utilidades, inclusive a medicinal, embora segundo a entrevistada, o poder público não se atente para sua importância, no entanto, quando chegam nas feiras o mesmo é vendido imediatamente.
São muitos os derivados do babaçu, tendo os mesmos várias utilidades. De acordo com a presidente

Da palha a gente sabe que serve para cobrir casas, faz cofo[7], faz abano para abanar fogo, faz vassoura. Aí da palmeira mesmo, depois que ela fica velha tem o estrume que serve de adubo para fazer canteiro, botar nas plantas. O coco tanto faz ele ser verde ou maduro, o verde dá o leite, o seco dá o azeite, o verde também. Tem o mesocarpo como eu te falei. Da casca nós faz carvão. Antigamente quando eu era criança a gente usava as capembas, que é tipo uma canoazinha que dá, que a gente usava de brinquedo, hoje em dia as crianças são difíceis de brincar. Então assim, não se estraga nada (PEREIRA, 04/07/2017)

            Pode-se observar que o babaçu tem muitas utilidades, seus produtos podem ser utilizados para confeccionar vários produtos que irão servir principalmente para a população rural, daí sua importância para o povo da região. O carvão vegetal extraído do babaçu é muito utilizado na zona urbana tendo uma grande procura, proporcionando lucro para a população que o fabrica. Também continua sendo utilizada a vassoura confeccionada da palha do babaçu, sendo bastante comercializada nas cidades.
            De acordo com Franco (2010), o babaçu é um fruto que pode ser integralmente aproveitado. O epicarpo ou casca pode ser aproveitado como biomassa para a produção de biocombustível ou para queima direta em caldeiras. O mesocarpo ou polpa (já citada anteriormente) rico em amido e fibras pode ser utilizado para fazer farinha, rações ou ainda biocombustível. As amêndoas produzem óleo de excelente qualidade com características similares ao óleo de coco, permitindo seu uso em cosméticos e alimentos (FRANCO, 2010)
            Com o passar dos anos e os benefícios concedidos pelo governo às populações do campo, a quebra do coco diminuiu como foi demonstrado nas tabelas apresentadas em páginas anteriores. De acordo com a presidente da Associação:

Diminuiu sim, até porque hoje as coisas mudaram muito né, hoje tem muito recurso né, hoje as mulheres têm mais meio, de vários benefícios do governo né. Então, assim, diminuiu mais um pouco a quebra de coco nas mulheres. Acredito que muitas se acomodaram né. Muitas dizem assim – “Ah! Eu vou quebrar coco só no dia que eu quiser, não vou quebrar coco essa semana. Então eu acredito que diminuiu porque as mulheres se acomodaram mais, mas em outras regiões também é a falta de coco, porque tem umas regiões que não tem coco de jeito nenhum. Então assim, caiu mais por conta disso, porque as mulheres se acomodaram mais com o Bolsa Família e outros lugares é porque realmente não tem mais coco. Mas a gente sabe também que hoje em dia tem muita melhoria né, as pessoas têm mais acesso a escola, muitos não precisam mais deixar de estudar para trabalhar. Naquele tempo a gente não via filho de pobre nas universidades, hoje a gente já vê né. Naquele tempo não se estudava, porque todo mundo tinha que ajudar no sustento de casa, era ir para a roça, ajudar a quebrar coco. Não se pode negar que o Bolsa Família tirou as crianças do trabalho também. Então é muito bom isso. Tem delas que só quebra quando quer fazer uma comida que precisa do leite, do azeite né (PEREIRA, 04/07/2017).

            Conforme a presidente, as coisas realmente mudaram na região. Atualmente, algumas mulheres só quebram o coco se tiverem vontade, para aumentar o dinheiro, comprar alguma coisa a mais, pois com o benefício do Bolsa Família elas acreditam não ser necessário realizar esta atividade. E em algumas localidades é a falta do coco que fez com que as mulheres deixem de ser quebradeiras.
A diminuição na produção da amêndoa do babaçu no Estado do Piauí ocorre em função do desempenho produtivo dos municípios. No município de Miguel Alves em 2003 a amêndoa produzida representou 19,04% da produção estadual. Para o ano de 2008 a produção da amêndoa no município corresponde a 17,10% da produção estadual (IBGE, 2000-2008). Essa redução ao longo do tempo no país se deve à inserção de novos produtos de origem industrial na dieta alimentar da população, sobretudo derivados de óleo (soja, milho, algodão, girassol, dendê, entre outros). Contudo, também podem ser relacionados outros fatores responsáveis pela redução da produção, como a baixa produtividade da quebra manual do coco, a queda de produtividade dos cocais em função do manejo inadequado e a migração da população rural para as cidades (SILVA; ARAÚJO; BARROS, 2010).
            A respeito da importância econômica do babaçu para Miguel Alves, a presidente da Associação afirmou:
Olha, o potencial do babaçu é grande, mas falta atenção por parte dos nossos governantes, porque a gente sabe que o babaçu é uma palmeira nativa, não é a gente que planta, então deveria ter programas de conservação dessa mata, porque só tirar não dá. Então o babaçu é muito importante para a economia do município de Miguel Alves, mas se ele fosse valorizado de verdade com certeza era melhor. Nós aqui vivemos do babaçu e dá para viver bem com o que a gente ganha e estamos com um projeto em Brasília para trazer melhoria aqui para nossa associação, tomara que dê certo (PEREIRA, 04/07/2017).

            Constata-se que a presidente tem consciência da importância econômica do babaçu para a economia local, ao mesmo tempo que sente a falta de apoio do poder público no sentido de preservação da palmeira, na falta de projetos para conservá-la, pois sendo uma planta nativa corre o risco de diminuir com a extração sem controle.  Vale ressaltar que em algumas regiões já existem projetos de preservação da mata dos cocais, onde o babaçu é mais conservado, sua extração não é realizada de forma aleatória. 
Segundo informações obtidas no Logo da CIMQCB, a extração do coco babaçu feita pelas quebradeiras traz consequências positivas para a preservação dos babaçuais e da vegetação ao seu redor, principalmente em razão da incidência política do movimento das mulheres quebradeiras de coco babaçu. As leis do babaçu livre aprovadas em 17 municípios estabelecem que mesmo em propriedades privadas, a preservação das palmeiras de babaçu deve ser garantida, assim como o livre acesso das quebradeiras aos babaçuais, sem autorização prévia.
Dessa forma, incentiva-se uma economia extrativista mais sustentável e evita-se que populações extrativas e agricultores familiares se dediquem a atividades ligadas ao desmatamento.  Além disso, a valorização dos derivados do coco babaçu por meio do investimento da CIMQCB na formação das mulheres e na qualidade dos produtos contribui para o fortalecimento de mercados de produtos florestais não madeireiros na região amazônica.
            A participação efetiva em busca de melhores condições para a Associação, deu resultados, em agosto deste ano (2017) a Associação recebeu incentivos da Fundação Banco do Brasil, a construção de duas novas unidades de processamento do babaçu irá fortalecer e empoderar mulheres do assentamento Maracá/Retrato e povoado Riacho do Conrado, no município de Miguel Alves. Com o investimento social de R$ 250 mil da Fundação Banco do Brasil, a Associação das Mulheres Quebradeiras irá adquirir também máquinas e equipamentos para melhorar o modo de produção com aproveitamento de todas as partes do babaçu, ampliando o potencial de sua cadeia produtiva (SOUSA, 2017).






















4. AS TRAJETÓRIAS DE VIDA DAS QUEBRADEIRAS DE COCO DE MIGUEL ALVES/PI
            Neste capítulo utilizou-se principalmente de entrevistas que foram realizadas com quatro (04) mulheres que fazem parte da Associação das Quebradeiras de Coco de Miguel Alves, residentes do Assentamento Retrato (Figura 04), e que tem como atividade principal a quebra do coco babaçu naquele município. Algumas questões e respostas foram agrupadas a fim de analisar e apresentar o resultado.
                       
 Figura 04. Assentamento Retrato no município de Miguel Alves/PI
  Fonte: Tavares/2017

Após o trabalho de campo e as entrevistas construiu-se um perfil das mulheres entrevistadas para uma melhor visualização desses sujeitos da pesquisa.  Levou-se em consideração nesse perfil geral a idade, o estado civil, a quantidade de filhos e a escolaridade, como mostra a tabela abaixo:
Tabela 03. PERFIL DAS ENTREVISTADAS
Identificação
Idade
Estado civil
Quantidade de filhos
Escolaridade
Entrevistada 1
31
Casada
03
5º ano da EJA
Entrevistada 2
52
Casada
05
Analfabeta
Entrevistada 3
37
Casada
08
3º ano ensino fundamental
Entrevistada 4
45
Casada
05
3º ano do ensino fundamental

            Analisando o perfil das mulheres quebradeiras de coco que foram entrevistadas, constatou-se que elas têm em média entre 30 e 50 anos, são todas casadas, com baixa escolaridade e com uma grande quantidade de filhos.   
Nesse contexto vale ressaltar a pesquisa realizada por Silva, Araújo e Barros (2010), onde considerando as características agroextrativistas de 13 comunidades rurais pesquisadas em Miguel Alves - PI, os resultados salientam que: a) 18% das mulheres quebradeiras de coco estão em média de 8 a 14 anos na atividade, onde a faixa etária, em geral, situa-se dos 31 aos 49 anos, sendo que 58,67% das mulheres têm em média 37 anos de idade. b) 73,00% das mulheres exploram o coco babaçu consorciado à pequena produção agropecuária; c) O grau de escolaridade entre as mulheres é baixo. 85,30% não apresentam o Ensino Fundamental completo, e 32,00% não são escolarizadas.
Como se vê não houve muita diferença em alguns dos aspectos do perfil das mulheres quebradeiras de coco de Miguel Alves do ano de 2010 para o ano de 2017. Embora os autores tenham entrevistados maior número de mulheres, bem como mais comunidades, já que neste trabalho foram poucas e em apenas uma comunidade.

Figura 05. Quebradeiras de coco voltando para casa depois do trabalho na mata
Fonte: Tavares/2017

            A figura 05 mostra as mulheres quebradeiras de coco retornando para casa depois de muitas horas na labuta, andando em fila pelas veredas vão jogando conversa fora, certas de que cumpriram sua obrigação e que estarão no dia seguinte de volta a realizar a mesma atividade.
Questionadas se o marido e os filhos também as ajudam com relação ao babaçu, e se tiveram oportunidade de ter outra profissão diferente das que realizam, elas deram como resposta:
Meu marido ajuda sim. Ele me ajuda a catar os cocos, quando vamos tirar o mesocarpo, ele é quem tira. Também meus filhos ajudam, eles não gostam de ir, mas eu levo assim mesmo. Quando eles não estão na escola eu levo, até para fazer companhia. Ele traz a carga na garupa da bicicleta para mim. Não tive oportunidade de outro emprego, casei cedo com 15 anos (ENTREVISTADA 1, 04/07/2017).

Meu marido trabalha na roça, mas ele me ajuda com o babaçu. Os filhos ajudavam sim, quando moravam comigo, eles ajudavam a trazer o coco para casa e minha menina mais velha ajuda a quebrar o coco . O marido ajuda muito, ele me ajuda a catar e trazer para casa (ENTREVISTADA 2,  04/07/2017).

Não tive oportunidade de outra profissão, sai cedo de casa com 15 anos fui ganhar menino e mesmo assim aqui são poucos os que tinha condição de morar fora, estudar. Fui fazer curso no sindicato para aproveitar resto de alimento, batata, macaxeira, fazer lasanha. Mas meu trabalho mesmo é quebrando coco, tirando azeite, vendendo azeite e cuidando de casa, de menino (ENTREVISTADA 3,  04/07/2017).


Meu marido ajuda sim. Ele ajuda a caçar os cocos, mas trabalha na roça, plantando arroz, feijão, milho, só não planta mandioca. Os filhos quando moravam comigo também ajudavam, caçava coco, às vezes eu tinha medo de mandar eles para o mato, porque tinha medo de cobra, gente novo não sabe onde pisa. Aí eu juntava os montes e eles levavam para casa. Depois fazia carvão e vendia, para comprar coisas para eles (ENTREVISTADA 4,  04/07/2017).

Conclui-se que tanto os maridos quanto os filhos e filhas ajudam as mulheres na atividade de quebrar o coco babaçu, embora elas sejam as que mais trabalham na produção. Isso vem confirmar que a atividade é passada de geração a geração, pois estas mulheres tiveram suas avós, mães e tias como quebradeiras de coco babaçu e agora estão na atividade. Algumas dessas mulheres que já têm filhos adultos também relataram que alguns de seus filhos já praticam a mesma atividade.
Embora colocando os filhos para ajudar no trabalho com o coco babaçu, as mulheres quebradeiras de coco tem expectativas de um futuro melhor para eles. Sobre as expectativas relacionadas ao futuro dos filhos elas relataram seus desejos:

Eu espero que eles tenham um futuro melhor que o meu. O coco tem sido mais um meio de vida para nós, graças a Deus, mas se eles tiverem um futuro melhor que o meu, será um prazer para minha vida. Quero que eles estudem para ter um futuro melhor, para ter o que eu não tive (ENTREVISTADA 1, 04/07/2017).


Pensei em educar meus filhos, pensei assim, nem que eu lute muito para educar eles. Assim foi, eduquei meus filhos tudinho, coloquei eles na escola, estudaram. Terminou os estudos, não estudaram mais porque nós não tínhamos dinheiro para levar para a frente. Terminaram o ensino médio e foi logo casar (ENTREVISTADA 2, e 04/07/2017).

Ah! Eu botei eles na escola, eu incentivo muito para eles aprenderem, não desistirem. Tem que estudar para ter uma vida diferente da que nós temos hoje, por que senão vão tudo para o mesmo caminho e não é isso que eu quero para eles não (ENTREVISTADA 3, 04/07/2017).


Penso que eles podem ter uma vida melhor, menos sofrida, coloquei para estudar pensando que podem arrumar emprego na cidade e ficar melhor que nós (ENTREVISTADA 4, 04/07/2017).


            Vê-se que as mulheres quebradeiras de coco preferem que os filhos estudem e tenham outras oportunidades, consideram o trabalho que realizam como importante para a subsistência, mas muito cansativo, sem perspectiva, preferindo um trabalho melhor para os filhos, que lhes proporcione qualidade de vida. Inclusive algumas comentaram que já tem filhos trabalhando na cidade, exercendo outras atividades diferentes de quebrar coco, enquanto os menores frequentam a escola e continuam junto delas ajudando na lida com o coco babaçu. É importante ressaltar que a educação formal e o trabalho na cidade são tidos como possibilidades de uma vida melhor.
Dessa forma, enquanto sonham uma vida melhor para seus filhos, essas mulheres afirmam que a associação tem promovido cursos de alimentação alternativa, de remédios caseiros, de aperfeiçoamento do artesanato e debates sobre meio ambiente, gênero, emprego, dentre outros temas e ações, na tentativa de provocar uma reflexão acerca da realidade atual do povoado. Elas entendem que a melhor forma de melhorar as condições de vida das famílias do povoado é aproveitando melhor os recursos naturais (SANTOS, 2009).

 Figura 06. Quebradeira de coco do Assentamento Retrato do município de Miguel Alves/PI
 Fonte: Tavares/2017

Figura 07.  Quebradeira de coco do Assentamento Retrato do município de Miguel Alves/PI
Fonte: Tavares/2017

Em relação à Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco, as mulheres relataram o que mudou na vida delas com a fundação dessa instituição:

Mudou muita coisa assim, porque o nosso trabalho agora está sendo mais valorizado, antigamente o azeite mesmo não tinha valor, no começo era R$ 5,00 (cinco reais) agora está R$ 12,00 (doze reais), mais valorizado. E também nós aprendemos a tirar a massa do babaçu, que dá renda também para nós, porque nós não conhecíamos, aí depois da Associação a gente começou a trabalhar com isso que é valorizado também (ENTREVISTADA 1, 04/07/2017).

Melhorou mais, porque no tempo que não tinha a Associação era mais difícil nós pegarmos no real, agora nós estamos pegando, pega em dez, em cinco. A irmã vem e pega o mesocarpo para vender em Teresina, ela é que vende lá para nós, vende a massa, o azeite. Antigamente nós tirávamos o azeite só para nós mesmo, porque não tinha para quem vender e agora tem. E o mesocarpo também, que nós aprendemos a tirar e vender. Melhorou muito para nós (ENTREVISTADA 2, 04/07/2017).


Ah! Aqui mudou muito, nós temos mais ganho, aqui o grupo dos azeites tira o azeite aí a irmã vem e leva pra Teresina, lá vende e já manda o dinheiro apurado. Aí elas levam a massa também e os biscoitos da massa, lá elas vendem. Aí é bom, é uma ajuda boa, elas trouxeram muitos projetos bons, ensinaram muito nós, uns nós colocamos em prática, outros não ((ENTREVISTADA 3, 04/07/2017)

Mudou foi muita coisa né, porque nossa casa era de palha, aí foi na época que o Incra fez nossa casa graças a Deus que nós estamos debaixo dessa casa, aí a gente vive lutando. De primeiros nós vivíamos debaixo da casa de palha, ruim demais ((ENTREVISTADA 4, 04/07/2017).

            Nota-se que a Associação trouxe benefícios para a vida dessas mulheres, melhorando a qualidade de vida dessas famílias, através da venda do azeite, da massa do mesocarpo, dos biscoitos fabricados por elas, enfim, muitas melhorias. Com o surgimento da Associação, puderam comercializar os produtos extraídos do babaçu obtendo renda, com a qual cooperam com a subsistência da família.
            Diante dessa realidade, constata-se que a Associação trouxe benefícios para as quebradeiras de coco, pois, antes elas recebiam muito pouco, visto que apenas vendiam a amêndoa para os comerciantes e não tinham muito conhecimento sobre a riqueza do babaçu, foi através da Associação que elas passaram a receber orientações da CPT (Comissão Pastoral da Terra), o que contribuiu significativamente para a melhoria de vida das mesmas.
              
Figura 08. Produção do mesocarpo pelas quebradeiras de coco do Assentamento Retrato
Miguel Alves/PI   Fonte: Tavares/2017

  
   Figura 09.  Produção do azeite de coco babaçu. Quebradeiras de coco do Assentamento Retrato
    Miguel Alves/PI Fonte: Tavares/2017.

            A produção do mesocarpo e do azeite de coco babaçu tem proporcionado um bom lucro para as quebradeiras, tendo em vista que estes produtos são bastante comercializados tanto no município de Miguel Alves como na capital Teresina e outras cidades do Estado.


Figura 10. Casa de moradores no Assentamento Retrato antes da Associação
                Fonte: Tavares/2017
               

As moradias modestas, sem muita estrutura eram comuns na região antes da fundação da Associação, as mesmas se caracterizavam por serem construídas de taipas, cobertas de palha e às vezes sem oferecer segurança para os moradores, como pode ser constatada na figura 10.
Figura 11. Casa Casa de moradores no Assentamento Retrato depois da Associação
                Fonte: Tavares/2017
           
            No entanto, com chegada da Associação, as coisas mudaram, as residências dos moradores do Assentamento Retrato, foram construídas de forma mais segura, oferecendo melhores condições para os moradores, que antes eram de taipas, cobertas de palhas, passaram a ser de tijolos, cobertas de telhas e com bastante espaço.
Embora constatando as melhorias na qualidade de vida das mulheres quebradeiras de coco com o surgimento da Associação, as associadas sentem que poderiam melhorar ainda mais sua atividade:

Gostaria que melhorasse assim, no termo de conhecimento, por que aqui no nosso município ainda é pouco valorizado, às vezes nós mesmos no interior que ainda damos valor, porque os grandes mesmos da cidade não dão valor não. Por que o produto hoje deveria está sendo vendido para as escolas e a gente não vê isso. Deveria vim mais curso também para nós aprendermos mais coisas (ENTREVISTADA 1, 04/07/2017).
        
Só a água minha filha, água aqui só dessa caixa d’água do governo (falou apontando a cisterna). Se não fosse era pior. Aqui nós temos que buscar água longe, se nós tivéssemos água encanada nós fazíamos horta, juntava as mulheres e fazia uma plantação de horta aqui, era muito bom (ENTREVISTADA 2, 04/07/2017).

Assim, tem que reunir mais as mulheres, ficar mais unidas, porque a gente quebra em grupo também né, aí quando uma está aperreada que não pode e tem alguma criança doente aí uma vai e ajuda a gente. Tinha que ter mais união, aí umas querem ajudar, outras não querem. Aí a nossa casa do projeto já foi liberada para construir, nós ganhamos o projeto. Outra coisa aqui também que era bom se melhorasse era o negócio da água, por que aqui não tem água não. Sorte de Deus que o governo mandou essas cisternas (apontando para a cisterna), porque senão, nós íamos buscar longe. A falta de água é ruim demais. Aqui nós lavamos roupa lá no Tamanduá, graças a Deus que o povo de lá deixa nós lavarmos a roupa (ENTREVISTADA 3), (04/07/2017).

É a água. Nós temos um poço ali que foi feito no ano retrasado, mais se nós tivéssemos água encanada em todas as casas a gente fazia uma horta, canteiro, a gente faz só para o consumo da gente mesmo, mas se tivesse nós fazíamos horta para vender as coisas. O que vale é que tem essa caixa d’água que o governo mandou (apontando para a cisterna), aí ajudou muito, mas aqui é só para beber porque a água do poço é muito salobra para lavar roupa (ENTREVISTADA 4, 04/07/2017).


            Diante do exposto fica claro que a principal dificuldade que elas querem que seja sanada é o problema da falta d’água.  Elas reclamam da falta da água encanada, pois se assim fosse facilitaria muitas coisas para elas. Concordando com as entrevistadas, a água faz-se necessária para essas mulheres do campo, pois conforme suas falas, se houvesse água com mais facilidades poderia estar plantando, fazendo canteiros, horta cujos produtos poderiam ser comercializados, além do próprio consumo.

               Figura 12. Cisterna para armazenar água, no Assentamento Retrato
                  Fonte: Tavares/2017

Como a falta de água constitui-se num problema para os moradores da região, eles procuram solucionar com cisternas para guardar água da chuva e distribuir para o consumo nas moradias como pode ser observado na figura 13, esta é uma alternativa comum na maioria do sertão Nordestino.
Além de familiar, a atividade é também coletiva — as quebradeiras tradicionalmente promovem os “adjuntos”, tipo de mutirão em que as mulheres se juntam no quintal de uma delas para quebrar os cocos coletados e amontoados. Os cocos quebrados ficam com a mulher que organizou o adjunto e, posteriormente, ela irá ajudar no adjunto de outra. As mulheres também procuram ajudar-se quanto a tomarem conta das crianças enquanto suas mães vão coletar o coco ou precisam ir a cidade (MIQCB,2015).
           
               Figura 13.Local para guardar e quebrar o coco babaçu
    Fonte: Tavares/2017

            No Assentamento existem alguns locais para guardar e quebrar o coco babaçu como este da foto 13 o mesmo geralmente se encontra fora das moradias, e constitui-se em um lugar onde as quebradeiras podem ficar a vontade.
Outro fator, citado pelas entrevistadas, considerado de grande importância para a melhoria da vida dessas mulheres diz respeito a união das quebradeiras de coco, segundo a entrevistada 3, se houvesse mais união entre elas, as coisas se resolveriam com mais facilidade, uma ajudando a outra, principalmente nas dificuldades relacionadas aos filhos.
Nesse sentido, Pinheiro (2012, p. 22) afirma que “as práticas da quebra do babaçu para as quebradeiras de coco vão além do lado econômico, nos babaçuais estão as memórias dessas mulheres”. Subtende-se que essas memórias são importantes para compreensão das práticas culturais que interligam a memória coletiva do grupo com o trabalho.
Quanto à preservação do babaçual, algumas entidades tem se preocupado em orientar a população da região para a preservação, destacando a Comissão da Pastoral da Terra que tem contribuído no sentido de orientar as mulheres da comunidade a preservar a mata dos cocais, pois, através de suas orientações, as mesmas ao se conscientizarem da necessidade da preservação da mata estão garantindo o sustento para o futuro e principalmente às futuras gerações. Contudo, foi falado na existência de pessoas que não respeitam a mata dos cocais, e até tem conhecimento de que estão prejudicando, mas acabam fazendo mesmo assim através de queimadas, retiram os cachos dos cocos e outras coisas mais, não tendo consciência ambiental e como não há fiscalização para isso, acabam prejudicando o babaçual.
            A mata dos cocais deve ser preservada, e pensando na preservação dos babaçuais em locais onde há maior predominância, projeto de lei estão sendo criados, como é o caso de Juazeiro do Norte no Ceará, um trabalho que envolve desde o desenvolvimento da tecnologia para o melhor aproveitamento do coco babaçu, a luta pela preservação das palmeiras e o desenvolvimento econômico sustentável das comunidades que trabalham com o produto.
            O projeto vem sendo desenvolvido desde 2005 pela Fundação Mussambê em Juazeiro do Norte, estendendo-se com tecnologia desenvolvida na própria região dos maquinários para os estados do Piauí e Maranhão onde já se instalaram várias agroindústrias em parceira com associações de comunidades desses estados (SANTOS, 2009).
A Lei do Babaçu Livre trata ainda da preservação das palmeiras determinando multas para quem as destrua, sendo que essa multa ser· revertida para a educação ambiental. Nas vilas onde se concentro o estudo não houve nenhum caso de aplicação de multa.
            Embora a quebra do coco para a retirada dos produtos seja a principal atividade realizada pelas quebradeiras, algumas famílias criam animais ou produzem alimentos para o próprio consumo:
Só galinha. A gente criava porco, mas depois que o assentamento ficou assim, que é terra de assentamento, aí é tudo cercado os quintais, aí para criar preso é muita despesa (ENTREVISTADA 1, 04/07/2017).

Crio apenas galinha, dá muito trabalho criar outros tipos (ENTREVISTADA 2, 04/07/2017).

Criamos galinha e meu marido tem uma rocinha com pouca plantação (ENTREVISTADA 3, 04/07/2017).

Só criamos galinha e nada mais, não tem como criar outras coisas, dá despesa (ENTREVISTADA 4, 04/07/2017).

            A criação de galinhas se destaca na comunidade, tendo em vista que as outras criações geram despesas e os moradores não tem como arcar com as mesmas. Para algumas, a roça continua sendo a atividade alternativa, pois a terra é boa para o plantio e alguns maridos fazem a roça plantando milho, arroz e feijão para o consumo da família.
Em relação aos meios de transportes para a locomoção que as entrevistadas e suas famílias utilizam, elas responderam:

Moto e bicicleta. A moto a gente usa só para viagens mais longas, porque a despesa com gasolina é grande e a gente não tem condição de manter. Para trabalhar a gente usa a bicicleta mesmo (ENTREVISTADA 1, 04/07/2017).

Moto e bicicleta minha filha, basta ganhar um dinheiro que já estão comprando uma das duas (ENTREVISTADA 2, 04/07/2017).

Bicicleta. Pois ajuda muito para trazer os cocos, senão temos que colocar o saco ou jacá na cabeça, é ruim demais (ENTREVISTADA 3, 04/07/2017).

Nós temos bicicleta. De primeiro nós caçávamos e colocávamos era na cabeça, sofria demais. Eu carregava coco era na cabeça, subia morro, descia morro com saco na cabeça, era ruim demais, mas graças a Deus que eu venci (ENTREVISTADA 4, 04/07/2017).

            Durante décadas os animais eram utilizados como meio de transportes na zona rural e até mesmo em cidades pequenas, contudo, a situação tem mudado de uns tempos para cá, pois a comercialização de bicicletas e depois de moto tomou conta dos pequenos municípios. Os comerciantes apostam na venda e facilitam a compra de motos e bicicletas para a população rural, estando as mesmas utilizando estes transportes para várias atividades, como afirmam as entrevistadas. Carregar os cocos coletados na mata ficou mais fácil com a compra da bicicleta, afirmaram as entrevistadas, pois, carregar na cabeça era muito dolorido e cansativo, e com a bicicleta, transporta-se no jacá, no saco ou no cofo, tudo fica mais fácil, segundo elas.
            Enquanto que a utilização da moto fica para viagens mais longas, pois devido o valor do combustível (R$ 3,60) em média, acaba encarecendo para a família, como afirmou a Sra. Teresinha. De qualquer forma já foi uma vantagem para elas, o fato de terem condições de comprar uma bicicleta ou moto, pois assim facilitou a vida dessas famílias.












CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ao término da pesquisa, ficou claro a importância social, cultural e principalmente econômica da extração do coco babaçu realizada em Miguel Alves/PI. As mulheres que se dedicam a esta atividade, são verdadeiras guerreiras, pois além de ser uma atividade que requer dedicação e tempo, oferece perigo já que o instrumento utilizado para a retirada do coco pode causar ferimentos graves nos dedos, mãos, pés etc.
            A pesquisa mostrou as mudanças ocorridas na vida das quebradeiras de coco após a formação da Associação, pois antes era mais difícil para as mulheres conseguirem comercializar de forma mais racional os produtos derivados do coco. Os mesmos eram vendidos de forma aleatória, não existindo um preço real conforme o produto adquirido. Também alguns direitos passaram a ser concedidos a elas pela Associação, além da mesma proporcionar cursos que contribuem para melhorar a vida e promover trabalho e renda para as associadas.
            Percebeu-se que as mulheres quebradeiras de coco almejam uma vida melhor para seus filhos, bem diferente da que levam, embora alguns ajudem-nas na extração do coco babaçu. Alguns filhos já exercem atividades na cidade, tendo inclusive oportunidade de estudar o que para algumas dessas mulheres isso não foi possível.
            Sobre a entrevista realizada com a presidente da Associação das Quebradeiras de Coco de Miguel Alves/PI, constatou-se a importância do trabalho realizado pela mesma frente à Associação, sua preocupação em proporcionar uma melhor condição de vida às mulheres pertencentes à Associação, mostrando o valor dessa atividade, contribuindo para que as mesmas consigam seus direitos passando a desenvolver de forma legalizada essa atividade econômica, buscando recursos junto aos órgãos competentes do  Estado e do município.
            Quanto às mulheres pertencentes à Associação, através da entrevista realizada com quatro associadas, ficou constatado que esta atividade elas herdaram dos pais e dos avós e que por falta de oportunidade para realizar outra atividade acabaram tendo que extrair coco babaçu. Com a ajuda do marido e de alguns filhos, quebram o coco, extraindo vários produtos os quais através da Associação são comercializados, tendo uma renda que embora pouca, ajuda na subsistência da família.
            Observou-se também que as mulheres têm uma vida simples, com pouco lazer, limitando-se as conversas com vizinhas quando lhes sobram tempo, já que cuidam da casa, dos filhos e do marido. O transporte utilizado na comunidade é a bicicleta e alguns possuem motocicleta, a qual não é muito utilizada devido o preço do combustível, ficando restrita o seu uso para as longas distâncias ou em caso de acontecimentos de urgência.
Ressaltando a satisfação em realizar este estudo, o qual despertou para uma reflexão acerca da importância da extração do coco babaçu no tocante aos aspectos econômico, social e cultural do município de Miguel Alves/PI, e principalmente para as mulheres quebradeiras de coco, acreditando que o mesmo contribuirá para outras produções acadêmicas com temas semelhantes.






































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SILVA, Antonio Joaquim da Silva; ARAÚJO, José Luis Lopes.; BARROS, Roseli Farias Melo de. Agro extrativismo em área de Babaçual Piauiense: o duro caminho para o Desenvolvimento Local Sustentável- V Encontro Nacional da ANPPAS - 4 A 7 DE OUTUBRO DE 2010 Florianópolis – SC – Brasil, 2010.

SOUZA, Valtey Martins de. Dinâmicas territoriais e as quebradeiras de coco babaçu no município de São Domingos do Araguaia-PA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – PDTSA/UNIFESSPA, 2014,157fl.

SOUSA, Denis. Quebradeiras de coco babaçu de Miguel Alves recebem incentivo da Fundação BB. Disponível em: 180 graus.com/miguel-alves/quebradeiras-de-coco-babacu-de-miguel-alves-recebem-incentivo-da-fundacao-bb. Acesso em: 16 out.2017.


VAINSENCHER Semira Adler. Babaçu. In: Pesquisa escolar. Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/. Acesso em: 24 de jan. 2017.

VEIGA, José Elias da. Destinos da ruralidade no processo de globalização. IN: Globalização e território, Ajustes Periféricos. RIBEIRO, A.C.T.; TAVARES, H.M., NATAL, J,; PIQUET,  R. (orgs.) RJ: Arquimedes Edições.


FONTES ORAIS:

Entrevistada 1. Depoimento concedido a Jaqueline do Nascimento Tavares. Miguel Alves, jul. 2017a.

Entrevistada 2. Depoimento concedido a Jaqueline do Nascimento Tavares. Miguel Alves, jul. 2017b.

Entrevistada 3..  Depoimento concedido a Jaqueline do Nascimento Tavares. Miguel Alves, jul. 2017c.

Entrevistada 4. Depoimento concedido a Jaqueline do Nascimento Tavares. Miguel Alves, jul. 2017d.

























[1]A cultura pode ser definida como algo adquirido, aprendido e também acumulativo, resultante da experiência de várias gerações. Porém, enquanto aprendiz o ser humano pode sempre criar, inventar, mudar. Ele não é um simples receptor, mas também um criador de cultura. Por isso a cultura está sempre em processo de mudança. Em muitos casos pode até ser modificada com muita rapidez e violência, dependendo dos processos a que for submetida. Desta forma o ser humano não é somente o produto da cultura, mas, igualmente, produtor de cultura.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. 23.ed. Rio de Janeiro ; Zahar, 2009.
[2] O início da “colonização branca” no Piauí está ligada à criação do gado. Bandeirantes  paulistas, portugueses, baianos e pernambucanos penetraram o território em busca de pastagens, devastando tribos indígenas, não deixando vestígios dessa cultura (SANTOS, 2008).
[3] A primeira Guerra Mundial durou de 1914 a 1918, e a participação do Brasil no conflito, colaborou para o crescimento econômico brasileiro, sobretudo por ter aberto as portas para a industrialização do país, que até então priorizava a produção agrária. E oportunidade de expandir seus mercados, atuar no comércio com a Europa, fortalecer a economia nacional e colaborar com a Tríplice Entente fizeram com que o período fosse de grande valia para o país (SILVA, 2008).
[4]  Quebra da Bolsa de Nova York: de 1920 a 1929, os americanos compraram ações de diversas empresas. De repente o valor das ações começou a cair. Os investidores quiseram vender as ações, mas ninguém queria comprar. Esse quadro desastroso culminou na famosa “Quinta-Feira Negra” (24/10/1929 - dia que a Bolsa sofreu a maior baixa da história). A quebra da bolsa afetou o mundo inteiro, pois a economia norte-americana era a alavanca do capitalismo mundial. A crise fez com que os EUA importassem menos de outros países, como consequência os outros países que exportavam para os EUA, agora estavam com as mercadorias encalhadas e, automaticamente, entravam na crise (GOMES, 2016).
[5] Mulher quebradeira de coco, tem 28 anos de idade, presidente da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco.
5 Mesocarpo: A Farinha do Mesocarpo de Babaçu mais conhecida como pó do babaçu ou ainda simplesmente Mesocarpo do Babaçu. O Mesocarpo do Babaçu é um complemento alimentar rico em amidos e sais minerais, extraído de um vegetal rico em fibras.(QUEIROZ,2006).
[7]. Cesto trançado com palhas da palmeira do babaçu que é utilizado pelas quebradeiras para coletar o coco.(SOUZA,2014).  

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