domingo, 20 de agosto de 2023

A MULA SEM CABEÇA: uma lenda sombria do Piauí

Miguel Alves, 110 km da capital Teresina, era uma cidade pequena e pacata, aninhada no coração do Piauí, onde os mitos e as lendas sempre encontravam solo fértil para se enraizar. Entre todas as histórias fantásticas que povoavam a mente do povo, uma em particular despertava medo e fascínio: a lenda da Mula sem Cabeça.

        Os boatos corriam pelas vielas estreitas e becos escuros, sussurrados entre os moradores com uma mistura de curiosidade e temor. Diziam que, nas noites mais escuras, quando a lua lançava apenas um tênue raio de luz sobre a cidade adormecida, a figura terrível da Mula sem Cabeça surgia, vagando pelos campos e margens do Rio Parnaíba. Sua presença era envolta em mistério e presságio de desgraça.

    Nas proximidades da baixa dos festejos, um local isolado e sombrio durante os invernos rigorosos, foi onde a Mula sem Cabeça deixou suas marcas mais perturbadoras. Os relatos dos moradores eram consistentes: avistamentos assustadores, uivos que ecoavam pela noite e montes de pelos misteriosos espalhados pelo chão. Um pescador corajoso afirmou ter tido um encontro terrível com a criatura, descrevendo-a como um animal quadrúpede jamais visto na região, com um corpo coberto de pelos enormes e sem cabeça, que alternava entre andar de quatro patas e erguer-se ameaçadoramente sobre as pernas traseiras.
    A atmosfera de medo e aflição se intensificava à medida que rumores se espalhavam pela cidade. Uma jovem moça, alta, bonita e atraente, recentemente separada do marido sem um motivo aparente, tornou-se suspeita de ser a própria Mula sem Cabeça. A mulher morava nas proximidades da baixa, nas sombras adjacentes à Casa Paroquial, onde trabalhava como diarista nas casas dos nobres locais. A troca repentina do marido por outra esposa e as contradições em suas defesas alimentavam a dúvida e quase certeza de seu envolvimento com o sobrenatural.
    A jovem, agora sozinha para criar seus filhos e prover seu próprio sustento, enfrentava o peso do julgamento da comunidade. As comadres e vizinhas, antes próximas e solidárias, passaram a evitá-la, temerosas de que a maldição da Mula sem Cabeça pudesse se espalhar como uma praga. O clima pesado e carregado de desconfiança impregnava cada esquina da cidade, como se o próprio ar estivesse contaminado pela sombra do desconhecido.
    No auge do mistério, uma estudante corajosa, cuja mãe já falecera, testemunhou uma aparição da Mula sem Cabeça. Da janela de sua casa, que ficava nas proximidades da baixa, ela viu a criatura sinistra perambulando pela escuridão, seus passos pesados ecoando na noite silenciosa. A visão aterrorizante confirmou os relatos e reforçou a crença de que algo sombrio e misterioso habitava aquele lugar.
    Pela manhã, após essas aparições, moradores encontravam pelos soltos espalhados pelo chão, como vestígios de uma existência sobrenatural. A cidade vivia sob um constante estado de alerta, enquanto os uivos da Mula sem Cabeça eram ouvidos de tempos em tempos, ecoando pelos vales e provocando arrepios na espinha de todos que os ouviam.
    A tensão crescia à medida que a população tomava conhecimento de um segredo obscuro que envolvia o religioso da cidade. Rumores sombrios circulavam, afirmando que o religioso tinha filhos com mulheres cujas identidades eram mantidas em segredo. Embora essas mulheres e seus filhos nunca tenham sido localizados, os relatos alimentavam a possibilidade de que a Mula sem Cabeça fosse uma manifestação sombria dessa imoralidade. A dúvida pairava no ar, pesando sobre a moça que havia sido acusada de manter um caso amoroso com o religioso, aumentando ainda mais a suspeita de sua ligação com a criatura lendária.
    Na fatídica noite de uma quinta-feira, no dia 13 de um mês qualquer do ano de 1968, a cidade testemunhou uma perseguição épica. Um corajoso pescador se lançou contra a Mula sem Cabeça, travando uma luta corpo a corpo com a fera demoníaca. Seu facão amolado dos dois lados desferiu um golpe certeiro, ferindo o animal no braço ou na pata. O encontro brutal foi acompanhado pelos uivos aterrorizantes da criatura, que ecoavam por toda a vastidão do Rio Parnaíba, assustando os pescadores da região.
    Ao amanhecer, a cidade acordou com a notícia do confronto heroico. Movidos pela esperança de encontrar vestígios do ferimento no animal, os moradores procuraram alguém que pudesse ter sido ferido da mesma forma. E foi então que a moça, a protagonista dessa história sombria, apareceu nas ruas com um braço ferido. No entanto, em vez de contar a verdade sobre a sua ligação com a Mula sem Cabeça, ela inventou uma história de ter se ferido em casa. O parente doente que supostamente teria cuidado durante toda a noite não confirmou a história, lançando ainda mais suspeitas sobre sua pessoa.
    A aura de mistério que envolvia a cidade só se dissipou quando o religioso, anos depois, partiu para outro lugar, levando consigo os segredos que tanto assombravam a comunidade.     Os relatos de aparições diminuíram, tornando-se isolados, mas o medo e a desconfiança ainda ecoavam nas pessoas. A Mula sem Cabeça se tornara um mito vivo, uma lembrança das sombras do passado.

    Frederico A. Rebelo Torres – Escritor

    Para o blog Causos Assustadores do Piauí

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